NÓS

NÓS

DIREÇÃO: Jordan Peele

ELENCO: Lupita Nyongo'o e Elizabeth Moss

Um casal viaja com os seus dois filhos para uma casa de veraneio, dispostos a curtir todo o lazer no qual eles têm direito. Acontece que visitantes misteriosos, mas conhecidos ao mesmo tempo, levam a rotina dessa família e de todas ao redor a um verdadeiro caos.

É de encher os olhos de qualquer um, a maneira como o mundo dá voltas e tende a ser benéfico para muitos. Há 3 anos, Jordan Peele era um ator qualquer, envolvido em comédias do estilo pastelão, com puras tendências a antipatia. Eis que ele anunciou que estava assinando a produção, direção e roteiro de um filme de terror chamado Corra!, notícia essa que fez com que muita gente desdenhasse... mas como treino é treino e jogo é jogo, o que foi entregue foi uma das melhores obras do gênero no século, ovacionada e vencedora do Oscar de Melhor Roteiro (para o dito cujo), além de indicações nas categorias principais - isso porque filmes de terror não têm um bom retrospecto na maior premiação do cinema não concorriam até então há 18 anos, e não eram premiados há 26. No ano seguinte, mais uma indicação, desta vez como produtor do espetacular Infiltrado na Klan. Chega 2019 e ele lança Nós, obra que ninguém se atreveu a duvidar de sua qualidade, e fez com que todos lotassem os cinemas, e lhe concedessem merecidos aplausos.

Criança perdida, principalmente na praia, é um dos principais pesadelos na vida qualquer pai, onde faz-se justo elucidar que não foi a cria quem se perdeu, e sim o genitor quem foi o responsável por aquilo, e como se não bastasse, uma cena já foi suficiente para introduzir uma avalanche de auto-reflexões que Nós propõe a todos os envolvidos. Antes do que há de mais central na obra, os personagens são convidados a descobrirem a si mesmos, e uma não reflexão perfeita diante de um espelho é a prova de que, no mínimo, não estamos cuidamos corretamente de nós mesmos. 

Acontece que Nós, ainda em seu prólogo, nos deixa dúvidas, como a principal dela: A que ponto Jordan Peele vai chegar? O curioso é que nota-se que a trama vai caminhando com características parecidas de Corra!, como uma família, que mesmo não sendo perfeita, até o momento é bastante normal para qualquer padrão. Além disso, temos negros, que ao lidarem com brancos, é capaz de assustar, pois para bom entendedor, enfim... O show de "já vi isso em algum lugar" se reforça com um bando de pássaros em estado de tormento, que guiam a trama para mais um susto da perda de uma criança na praia. As reflexões dos personagens passam a ser, neste momento, do público: Peele está a cometer um auto-plágio? Estaria ele trabalhando uma cópia de Alfred Hitchcok? Nós está caminhando em círculos? Felizmente, a resposta para tudo isso é não, e ela não demora a ser dada. O filme é sobre coincidências, e a partir daí, torna-se mais assustador.

A escuridão é o enigma, que num tom correto, consegue se incrementar com o sombrio e com o amedrontante. Para o filme, os monstros somos nós, fato que já foi muito difundido na sétima arte, mas que nesta obra, de maneira rara em comparação a outras películas, é trabalhada em seu sentido literal, alcançando um nível tão alto, que, antes do desespero, faz com que nos perguntemos "o que é isso?", tirando de qualquer um a capacidade de agir, ao passo que essa pergunta não nos dá uma resposta clara e imediata, mas como, querendo ou não, se livrar do tormento é uma obrigação, pois então que se aproveite a fobia alheia como melhor arma para um escapatória bastante vitoriosa, diante da roleta de vítimas que Nós tem.

Da maneira mais inacreditável, não reduzindo as doses do perigo, em Nós, todos brigam contra si mesmos, e como nada é tão ruim, que não possa piorar, o acaso e o inesperado são os principais ingredientes do temor, mas que admite-se ser algo limitado, visto que a luta é capaz de fazer com que seja diminuído o medo e mostra quão perversos somos, principalmente quando agimos em legítima defesa.

Com um elenco espetacular, com destaque a Lupita Nyongo'o e Elizabeth Moss, Nós soma-se a Corra! no ato de nos deixar mais impressionados sobre como um humorista, que nem era dos melhores, se transformou num diretor e roteirista de mãos cheias em obras de terror. Jordan Peele é hoje uma das pessoas mais respeitadas da sétima arte, e não obstante, leva o gênero a um novo e excelente patamar, ao passo que más qualidade de outrora justificavam o pé atrás que os profissionais da indústria e a crítica tinham. Ousadia e inteligência hoje são suas marcas, e vale a pena se debrusçar no que há de melhor no horror, fazendo com que fiquemos totalmente ligados a uma trama digna e que engrandece a arte.