O ESCÂNDALO
DIREÇÃO: Jay Roach
ELENCO: Charlize Theron, Nicole Kidman, Margot Robbie, Kate McKinnon, John Lithgow e Allison Janney
Roger Ailes é um dos grandes nomes do telejornalismo americano, além de ser o chefão do segmento na toda poderosa Fox News. Sua reputação acaba por ser questionada e manchada, quando diversas mulheres passam a acusá-lo de assédio sexual em pleno ambiente profissional.
Falar do cinema no fim da década de 2010 (e da televisão também, é fato) e não fazer nenhuma referência ao movimento "Me Too" é de uma tremenda injustiça. Uma união corajosa das mulheres do showbusiness, que mesmo sabendo do "ninho de cobras" em que estavam se metendo, peitaram os grandes poderosos para mudar uma verdade inconveniente que é de caráter global. No ato, o grande alvo foi o magnata do cinema e vencedor do Oscar Harvey Weinstein, que hoje se vê como réu em inúmeros processos judiciais, onde ninguém na indústria acredita que ele será absolvido. Anterior a isso, a situação já demonstrava uma força, quando a Fox News, em meio a uma turbulenta campanha presidencial americana, curiosamente virou a manchete dos jornais no que tange ao tema. A sétima arte, que não se esquiva em retratar nada, nos apresenta esse, que dificilmente será o único filme sobre o assunto. Não há perfeição, mas diríamos que O Escândalo começou bem a linha.
George Orwell já dizia: "Jornalismo é publicar aquilo que ninguém quer que se publique. Todo o resto é publicidade". Quem somos nós para discordar? A verdade é que a isenção e a imparcialidade são dois mitos, e engana-se quem acha que são correntes ideológicas quem ditam as regras. Elas até têm peso, mas fatores financeiros (no mais revoltante dos conceitos), aliado a um afã político-partidário de conceder o poder a alguém, que lhe retribuirá com benesses em todos os cantos, são os principais fatores que alimentam o produto. Mídias são empresas, com compromissos sociais de segundo plano, onde funcionários são obrigados a se despirem de ideologias por puro medo. Assim, o diretor Jay Roach, que fez o grande telefilme Virada no Jogo, mostra que em meio a tantos interesses difusos, a ironia é que, no jornalismo, a verdade dá lugar a mentira, sem pesar na consciência de quem o conduz.
Interpretando a âncora Megyn Kelly, Charlize Theron, em uma espetacular atuação, é o cartão de entrada de O Escândalo, numa boa sacada de apresentar redação e personagens, tal como estivesse comandando um telejornal de fato. Em meio a isso, tons de diversão por conta das paranoias, visto que Donald Trump já deixava as coisas neuróticas nos Estados Unidos de 2016, "quebram o gelo' do longa, até que ele mexe numa situação diretamente ligada ao futuro da nação e que não fazia bem à pressão de ninguém. Ué, mas o filme não fala sobre assédio sexual? Sim, mas como toda obra, se almeja introduzir os fatos, mas a falha deste filme foi ter alongado demais essa parte.
Adentrando ao x da questão, o roteiro de Charles Randolph ( vencedor do Oscar com A Grande Aposta) é de um respeito e de uma cautela no tratar das mulheres, que, por sinal, são personagens reais na trama. Inflando discursos opositores, a la Brigitte Bardot (aquela atriz que todos acham que já morreu, mas ainda está viva), O Escândalo prova quão delicada é a generalização. Numa indústria em que aparência é fundamental, o ultrapassar das fronteiras da ética e do que é humano, brota na vítima sentimentos em que a arma pode ser apontada para si próprio, pois ao vivenciar o crime no qual se está sendo vítima, vem o temor pelas retaliações e a certeza de que a corda pode arrebentar para o lado mais fraco, deixando intacto quem acha que bullying não é maldade.
Para quem cresce em ambientes tóxicos, a necessidade de reação é algo vital. O Escândalo até se põe a defender quem cede por fraqueza aos princípios obscuros, mas ressalta que até o maior dos generais entra numa guerra já querendo ir embora para casa. Sendo assim, mesmo que seja algo suicida, tomar à frente numa atividade perigosa é o fator primordial para que novos adeptos escancarem um preço que ninguém quer e ninguém deve pagar. Logo, a bola de neve mostra que até quem se acha intacto pode ter a mais humilhante das derrotas, e ao mesmo tempo em que não estamos imunes a sermos vítimas, não podemos permitir que o tormento se alastre, seja com você ou com outrem.
Apesar de uma edição complexa, O Escândalo acerta em seu elenco, mesmo que eu não tenha entendido o porquê de Margot Robbie estar disputando diversos prêmios, sendo que ela se equivale a preterida Nicole Kidman; mas o filme dá um destaque forte a todos, valorizando cada personagem e os seus protagonismo e antagonismo que poderiam estar trazendo à trama. Assim, a salada de personalidades cria um ambiente, que apesar de ecoar uma batalha entre a verdade e a política agora não-partidária, revela todos os lados da situação e derruba mitos, tanto para o bem, quanto para o mal. A tempestade já aconteceu, mas a bonança ainda não se concretizou. Hollywood agora assume o papel de documentar algo que racionalmente sabemos que é difícil de cessar, porém já mostrou que tem uma reação capaz de mexer com as estruturas de diversas indústrias ao mesmo tempo.
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