FITA DE CINEMA SEGUINTE DE BORAT
DIREÇÃO: Jason Woliner
ELENCO: Sacha Baron Cohen e Maria Bakalova
Borat, o segundo melhor repórter do glorioso país Cazaquistão viaja novamente à América, pois quer se mostrar novamente útil à sua nação. Seu alvo no mais poderoso país do mundo é está no poder nos Estados Unidos - que, por sinal, deve receber um presente seu, que na mente do jornalista é uma forma de estabelecer a paz entre os povos.
Não é segredo para ninguém quais são as verdadeiras intenções do escrachado humorista Sacha Baron Cohen em elaborar uma continuação para o seu mais famoso filme, que lhe rendeu uma indicação ao Oscar de Melhor Roteiro, numa atípica longa diferença de tempo entre uma obra e outra. São, ao todo, 14 anos. Pontual, ele mira a eleição para o cargo de Presidente dos Estados Unidos, num gesto claro de alguém que tem um ideal e sabe que deve lutar por ele, pois após a derrota de Hilary Clinton para Donald Trump em 2016, ficou a lição de que não adianta cantar vitória antes da hora, e relaxar e gozar, achando que os problemas estão resolvidos.
Uma imagem inicial mostra uma clara situação de escravidão e de crueldade contra detentos - fato que num recente e civilizado passado, poderia ganhar reações de repúdio contra tais práticas. O porém é que o filme, dirigido pelo jovem Jason Woliner (mais habituado a séries de TV), e roteirizado por quase 10 pessoas, mesmo que também trabalhe com muito improviso, tem ciência dos avanços dos ideais de extrema direita e se estrutura em cima de fatos que realmente escancaram o que, querendo ou não, pessoas que levaram Trump à Casa Branca têm em suas ideologias. Não à toa, seus primeiros atos são dotados de piadas extremamente desrespeitosas com o Cazaquistão e que esbanjam inversão de valores. Assim, Fita de Cinema Seguinte de Borat lança um desafio para os americanos que podem conceder uma reeleição ao seu Presidente: admita que você é xenófobo, racista, homofóbico, misógino e negacionista, pois se você nega isso e vota no republicano, estarás sendo incoerente.
Moderada e precisamente nostálgico, lembrando uma cena do Borat defecando em frente a um hotel de Trump, quando ele nem sonhava em ser político, o filme consegue ser estrategista ao estabelecer as diferenças entre 2006 (ano do primeiro longa) e 2020. Lá, os Estados Unidos já se dava por vencido e conformado com a metade do segundo mandato de George W. Bush. Hoje, se mostra ou quer parecer atônito com um governo federal, que não é apoiado nem pelo supracitado ex-Presidente, que, diga-se de passagem, é do mesmo partido de Donald Trump. Acontece que um líder não é uma causa, e sim uma consequência. Por que a América esperançosa e otimista que levou Barack Obama ao poder não deu sequência aos seus ideais e acabou abraçando o discurso do ódio? Assim, estabelecendo vínculos com cidadãos comuns dos Estados Unidos, Fita de Cinema Seguinte de Borat mostra que há um problema muito sério, no tocante à naturalidade com que muitos americanos expõem o seu machismo, a sua discriminação contra negros e homossexuais, além da intolerância religiosa, tida inclusive como razão para muitos males. Logo, o longa deixa claro que, de certa forma, o problema não é somente Donald Trump, e sim quem vê nele a pessoa perfeita para exercer o cargo mais importante do mundo. Diferente daqui do Brasil, em que os apoiadores de Bolsonaro não negam ter suas mesmas ideologias, os moradores da Terra do Tio Sam tentam se esconder atrás do conservadorismo, mas acabam fisgando a isca lançada por Sacha Baron Cohen, seja em declarações ou em ações. Repudiar os judeus em uma confeitaria é normal? Brancos e elitizados não se preocupam em ver alguém travestido como membro da ku klux klan num evento com a presença do vice-Presidente dos Estados Unidos? Como assim?
É evidente que o ápice do filme é a entrevista com Rudy Giuliani, ex-Prefeito de Nova York e atual advogado do Presidente dos Estados Unidos. Sem pudor, ele, deitado em uma cama, coloca a mão dentro da calça na região do pênis, ao estar, num quarto, junto de uma atriz que tem só 24 anos e que interpreta uma garota de 15. Só aí a gente já observa que o movimento Me Too, contra o assédio sexual, parece não ter surtido efeito. Após o filme ser lançado, ele afirma que apenas ajeitava a sua calça. A cena é clara e a defesa de Giuliani é estúpida: quem, em sã consciência, ajeitaria uma peça de vestuário daquele modo ao lado de uma mulher, que não é obrigada a se submeter a testemunhar uma cena como essa? Sacha Baron Cohen comentou bem o fato: “Eu diria que se o advogado do presidente achou o que ele fez lá, como um comportamento apropriado, então Deus sabe o que ele fez com outras jornalistas em quartos de hotel. Eu apenas peço a todos que assistam ao filme. É o que é. Ele fez o que fez. E decida-se. Ficou muito claro para nós. Fiquei bastante preocupado com ela durante a cena. Construímos um esconderijo no qual eu fiquei escondido durante toda a cena. Eu estava monitorando por texto, mas é minha responsabilidade como produtor também garantir que o ator principal seja cuidado.”
Inteligente em saber criar tramas paralelas em meio ao show de horrores cômicos, Fita de Cinema Seguinte de Borat elabora uma parceria para o jornalista cazaque, centrada na filha do personagem, que aqui é vivida pela atriz búlgara Maria Bakalova. O curioso é que fazer dupla com uma mulher nunca foi o forte de Sacha Baron Cohen, mas sabendo que poderia entrar em contradições em seu lado crítico, ele faz da Tutar um destaque imprescindível à trama, inclusive no momento em que se retira da história, para garantir com que a moça assuma a liderança da trama, sem lhe causar nenhum tipo de ônus. Diante disso, somos entregue a uma atuação fantástica da jovem atriz, que não se intimida diante de feras do humor americano, nem de pessoas poderosas, e rouba a cena sem deixar a peteca cair. É um ponto a mais para ela, que hoje vê seu nome entre os mais cotados para o Oscar 2021 de Melhor Atriz Coadjuvante; e também para Cohen, que une-se ao time dos grandes comediantes da indústria que trabalham a maior inclusão de mulheres humoristas, como muito bem tem sido visto nos últimos anos, em Hollywood.
Misturando perfeitamente críticas sociais e políticas, com tons dramáticos, sem perder o bom humor, que não deixa de ser o seu maior objetivo, Fita de Cinema Seguinte de Borat coloca o dedo na ferida das raízes daquilo que hoje é julgado como um problema mundial e que pode conceder uma certa culpabilidade a quem menos se espera e a quem acha que não tem nada a ver com isso. O processo de reversão, em meio aos seus altos e baixos, já tiveram sim os seus momentos de otimismo, mas o observar de tamanhos retrocessos só mostra que, no geral, é triste percebermos o quão temos falhado enquanto humanidade.
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