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segunda-feira, 28 de novembro de 2016

ELIS


ELIS
DIREÇÃO: Hugo Prata
ELENCO: Andréia Horta, Gustavo Machado, Caco Ciocler, Lucio Mauro Filho, Zé Carlos Machado e Ícaro Silva


Cinebiografia da cantora Elis Regina, a obra apresenta momentos marcantes de sua vida, desde a sua chegada ao Rio de Janeiro até a conquista do estrelato. O filme também passa pelos dois casamentos da artista e seus momentos mais críticos.


“Não quero lhe falar, meu grande amor, das coisas que aprendi nos discos...”. Foi com a interpretação da mais marcante canção da homenageada (“Como Nossos Pais”, no caso), que Elis, do diretor Hugo Prata, teve o seu início. A princípio, desconfiei e não gostei, acredito que se tratava da música perfeita para encerrar uma grande cinebiografia, como forma de coroar essa que é considerada a maior cantora da história do Brasil. Enfim, deixemos esse detalhe para depois.

Se tem uma palavra que define Elis é “coragem”, e não falo somente da personalidade da protagonista que é algo incontestável, mas digo pela autenticidade de Hugo Prata em expor diversas situações, que reforçam teses históricas contestadas e ainda afrontar diversas ideologias atuais. Elis Regina já tinha uma carreira de cantora, embora modesta, antes de chegar ao Rio de Janeiro. O crescimento para ela era algo natural, mas ela queria ser a melhor do país e tinha plena consciência de sua capacidade para tal. Quem, naquele período, ousaria discordar do sucesso estrondoso de Nara Leão e seu apelido de “coqueluche”, e ainda enfrentar de igual para igual os empresários poderosos da época? Poderia ser um prato cheio para um suicídio profissional, mas o filme trabalha bem a revolta dos afetados com o constatar de que Elis tinha um grandioso talento, que não deveria ser desperdiçado, e, como a própria película chega a ditar: talento esse bem superior ao de Barbra Streisand.

O que mais assusta para personalidade forte da cantora, é que grande parte de Elis, se passa no período da ditadura militar, desde os primórdios (mais precisamente). E assim, a película transparece a figura de uma mulher destemida ao extremo, para aquela época, e assim, o roteiro de Luiz Bolognesi, Vera Egito e do próprio diretor, acaba sendo uma aula para as discussões políticas de 2016, de que intervenção militar não servia apenas para punir duramente criminosos, visto que todos estavam em sistema de vulnerabilidade a ela; além de enaltecer o discurso feminista, mostrando que ele não entra em oposição ao machismo, e dita a mulher como um ser digno de diretos iguais, que pode opinar em meio a muitos marmanjos, e que não é obrigada a engolir diversos abusos por parte dos outros, ao ponto de inclusive decidir trabalhar quando e como bem entender, além de destruir uma preciosa coleção de discos do Frank Sinatra, pertencente ao marido Ronaldo Bôscoli.

Elis é um filme que começa tão forte e meteórico quanto a carreira e o temperamento da protagonista, que, por sinal, mesmo sabendo de seu estrelato e reinado, era humilde o suficiente ao valorizar o fato de estar cantando no mesmo palco de Diana Ross ou Edith Piaf, mas jamais cogitava a ideia de deixar a peteca cair. Ela subia lá, dava um show e mostrava que não se intimidava; e somado a isso, diante de uma imprensa estrangeira, durante uma apresentação em Cannes, chamava os militares de gorilas, sem o mínimo temor. Após este momento, o filme passa a ter uma queda, ao tornar-se arrastado e desinteressante, e num ato, foi esquisita a maneira tardia com que o comando federal da época tirou satisfação sobre suas declarações na França. Mesmo assim, neste meio tempo, a obra surpreende ao expor um caso extraconjugal dela com o crítico musical Nelson Mota, sem criminaliza-la, visto que a obra também não esconde o adultério de Bôscoli.

Sabendo superar algumas fragilidades estruturais, o filme acertadamente constrói uma imagem de mocinha guerreira de Elis Regina, conseguindo inclusive fazer com que o espectador fique compreensivo diante de seus defeitos. Realmente ela não fugia da raia, mas triscar em seu ponto fraco (seus filhos) poderia ser crucial para numa mudança de postura. Dessa forma, Elis exibe uma inédita participação mais intensa da cantora com o regime militar, que na classe artística não se limitava a Chicos, Caetanos e Gilbertos. O diferente é que neste caso há o ponto de que outrora ela era uma crítica a forma de governo, mas aí passou a se apresentar artísticamente para os militares – o que transformou-se em um verdadeiro escândalo entre os cantores, que não admitiram tal atitude. Elis Regina se defendia, alegando ameaças a seus filhos, enquanto a entrada do Henfil na trama (citado em sua linda canção "O Bêbado e o Equilibrista"), mostra uma classe que não se intimidou em lutar por uma revolução no país, mesmo diante de diversas ameaças. A vida de Elis passa a ser de pura reflexão, e assim o desenrolar desse contexto finca numa brilhante metáfora proposta pela produção do longa, que remete ao pensamento de Dalton Trumbo no período do macarthismo, no qual podemos utilizar para a classe artística brasileira durante a ditadura: “Não há culpados, nem inocentes. Todos foram vítimas” – me refiro somente aos artistas, é claro.


Sobre o elenco que deu vida a esses personagens que, como diria Fausto Silva, são monstros sagrados da música popular brasileira, diria que poucas vezes vi um time tão espetacular no cinema nacional, como em Elis. O que foi a espontaneidade de Ícaro Silva como Jair Rodrigues? A dureza de Gustavo Machado como Bôscoli? E a esplêndida dramaticidade de Zé Carlos Machado como Romeu, o pai de Elis? Mesmo encontrando-se diversas performances estrondosas, ninguém se esquiva de quão perfeita e maravilhosa está Andréia Horta, no papel da protagonista. Como esse furacão ficou quieto durante anos em programas da Globo? Eficaz, segura, sem deixar passar despercebido nenhum trejeito da cantora, ao ponto de assombrar (positivamente falando) qualquer um, expondo com tamanha precisão o sorriso de Elis Regina. Só este fato já dá todos os méritos a performance dela, porém fiquei na curiosidade sobre como seria sua atuação, caso ela mesma cantasse. No filme, ela é dublada pela voz original da cantora. Em contrapartida, seu dançar justifica os apelidos de “pimentinha” e “hélice regina”. 
  
Voltando ao desconforto que eu tive ao ver “Como Nossos Pais” sendo interpretada no início, e não no fim, como eu desejava, relato que os momentos derradeiros do filme são de uma melancolia ao extremo, visto que não é segredo para ninguém que fim levou Elis Regina, e como se deu tal fato. Diante disso, tenho que dizer que não encerrar o filme com a canção supracitada foi uma jogada de mestre do diretor Hugo Prata, que abriu mão disso para não aumentar o caráter emocional contido naquele desfecho. Colocar a alegre canção “Velha Roupa Colorida” durante os créditos finais, serviu para mostrar que apesar de sua trágica despedida, Elis Regina teve uma vida que foi uma verdadeira festa de tão vitoriosa. O filme, que é dos pilares deste grande ano para o cinema nacional, além de homenagem, é uma lição de ideologias, determinações e personalidades que conseguem enaltecer um ser humano, por mais turbulento que seja o período em que ele vive.



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