ERA UMA VEZ EM HOLLYWOOD
DIREÇÃO: Quentin Tarantino
ELENCO: Leonardo DiCaprio, Brad Pitt, Margot Robbie e Al Pacino
Hollywood vive uma fase polvorosa do cinema em 1969, com direito a muitas transformações, fazendo com que o ator Rick Dalton e o dublê Cliff Booth lutem pela adaptação a nova realidade cinematográfica, pois corriam o risco de verem suas carreiras chegarem ao fim de maneira precoce. A vida dos dois ocorre de maneira paralela a episódios históricos ocorridos na Meca da indústria, reforçando todos os prazeres e as fobias que essa arte propôs a todos.
Não é exagero para ninguém considerar Quentin Tarantino um fenômeno no cinema, porque talvez só ele seja cultuado de uma maneira em que, diferente de mim que o acho espetacular, nem todos entendem os seus filmes, acham exagerados e com ideologias muito avançadas para os padrões atuais; mas mesmo assim todos os reverenciam. E mesmo que seu nome estivesse envolvido em polêmicas, inclusive envolvendo a sua até então fiel escudeira Uma Thurman, anunciar uma nova obra, que focalizando um tempo áureo de Hollywood, concebida com a sua visão neurótica, é para, em palavras populares, matar os cinéfilos do coração. Era uma vez em Hollywood é simplesmente espetacular, para que ninguém mais ouse buscar qualquer defeito nas criações artísticas de Tarantino.
Um bang bang inicial é um cartão de entrada para a obra, mas que a princípio se torna esquisito, pois isso é praticamente a base dos dois últimos filmes do diretor: Django Livre (que lhe rendeu um Oscar de Melhor Roteiro) e Os Oito Odiados. Por isso, uma aparência de falta de criatividade poderia estar rebaixando a introdução de Era uma vez em Hollywood, mas o desenrolar da trama, para nosso alívio, mostra que aquilo era como se fosse apenas um aviso do cineasta: "Focalizem a história, o DiCaprio, o Brad, a Margot, mas a força maior será a da minha marca, pois estarei sempre presente, mas ninguém vai me ver". Fazendo com que os astros que protagonizam o longa deem entrevistas como se fossem eles mesmos, diante dos mais chatos repórteres ou dos apresentadores preocupados em ser puxa-saco deles, notamos que o showbusiness é bem menos sério do que imaginamos, pois o que impera é a badalação. Argo (vencedor do Oscar de Melhor Filme em 2013) diz que a indústria cinematográfica é o lugar ideal para se viver uma mentira, e todos nós amamos isso.
Vendo a sétima arte ser o centro de uma conversa de bar em horário de folga, nota-se que as películas são mais que enraizadas na vida de quem as veneram, e a intertextualidade proposta por Tarantino (que também assina o roteiro de Era uma vez em Hollywood), aliada a brilhante fotografia de Robert Richardson e a espetacular montagem de Fred Raskin, moldura um ambiente não formado por colegas, mas por fãs e ídolos, capazes de justificarem coisas do cotidiano com cenas de filmes, sejam do momento em que a obra passa ou da contemporaneidade de quem a assiste. O que será que todos pensaram ao verem o Rick Dalton gritando: "Queimem, seus nazistas"?. É claro que o diretor, em meio a homenagens a muitos, não ia perder a oportunidade de puxar sardinha para si próprio, e, ciente de sua capacidade de criar uma ficcção, mas munido dos fatos históricos, ele respeita a linha que movimentava o cinema da década de 1960, e bem debochado, tal qual Adam McKay, também atinge a ele mesmo e quem estiver pela frente, ao mostrar que nada é uma unanimidade, e muitos enojam até os hippies de um período pós-Woodstock, o faroeste espaguete e até o cinema italiano - que é o que mais ganhou Oscars de Melhor Filme Estrangeiro até aqui.
Ironizando escândalos, com direito a risos e a sustos, e aqui vale ressaltar as menções indiretas quase despercebidas do assassinato de Natalie Wood e do estupro cometido por Roman Polanski, Era uma vez em Hollywood, insistente numa decoração de set que nos causa uma overdose de pôsteres, móveis e televisões que nos remetem aos clássicos, cultua uma Los Angeles bem mais "vida louca" do que conhecemos, capaz de não conseguir dormir da mesma maneira que a Nova York das palavras de Frank Sinatra. E no desespero para não se desprender dela, até uma maquiagem que deforma o rosto de um ator, é um sinal de alerta para um profissional, que dependente de sua imagem, se preocupe com a falta de reconhecimento, em todos os sentidos dessa palavra.
E falando na classe de atores, o filme traz um dos melhores elencos da década. Leonardo DiCaprio, que tanto lutou para ganhar um Oscar, vem com força total para vencer sua segunda estatueta em 2020, provando que personagens ridículos são o maior potencial de sua veia artística (vide O Lobo de Wall Street e Prenda-me se for Capaz), mostrando versatilidade em uma carreira que mais o consagrou como sério e dramático. Brad Pitt, no auge dos seus 56 anos, recebe um desafio de entregar força e jovialidade a um dublê, e, por conta própria, o rejuvenesce mais ainda, ao bom estilo canastrão que aplaudimos. De minha parte, cabe uma defesa a performance de Margot Robbie, diminuída por muitos, pelo fato de ter pouco tempo e falas. Acredito que seu personagem, a lendária atriz Sharon Tate, é mais presença que qualquer outra coisa, e ela se despe de sua beleza particular para deixar transparecer a da interpretada, que permite com que todos fiquem boquiabertos e doloridamente incomodados, pois entendedores entenderão o desfecho.
Acertando o tom na junção de realidade com ficção, Quentin Tarantino, ao inserir a famosa seita do temido Charles Manson, cria um ambiente ao estilo O Massacre da Serra Elétrica, munido de fortes elementos como o isolamento e personagens enigmáticos, dando bagagem para a criação dos fatores que caminhariam rumo a tragédia, pois nada é mais assustador do que aquilo que não sabemos. Mesmo assim, o diretor não perde as demais vertentes propostas, e mistura ao sombrio, o inusitado e o hilário, resgatando ingredientes do início da obra, capazes de arrepiar com os destaques dados às figuras históricas da sétima arte, que não passam incólumes na película.
Aplaudido de pé durante bons minutos em sua estreia no Festival de Cannes, Era uma vez em Hollywood é a imagem da pura perfeição, que exalta o que há de melhor e o que sempre esperamos no talento de Quentin Tarantino. Ressalta-se que muitos críticos não louvaram tanto a obra, apontando fuga das características principais do diretor. Mas, ué, desde quando um louco como ele tem caracteríticas? E é isso que amamos nele. O desfecho do filme é um conglomerado de ação, ritmo, inteligência e, principalmente, um regozijo emotivo, visto que, para um cidadão como Quentin, que adora uma vingança, preferiu, no auge da benevolência (sinceramente nem achei Bruce Lee tão desmistificado assim por ele), concluir um longa com o final que queríamos para ele e para a trágica história real de Sharon Tate, ocorrida há mais de 50 anos. Assim, a ode tornou-se um presente generalizado para muitos, onde, felizmente, nem o espectador foi poupado. Vida longa ao mestre!




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