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quarta-feira, 2 de setembro de 2015

QUE HORAS ELA VOLTA?



QUE HORAS ELA VOLTA?
DIREÇÃO: Anna Muylaert
ELENCO: Regina Casé, Karine Teles, Lourenço Mutarelli, Camila Márdila e Michel Joelsas


Val (Regina Casé) é uma empregada doméstica, que mora com os patrões em São Paulo, após ter vindo de Pernambuco, deixando ainda criança a sua filha Jéssica (Camila Márdila). Mais de dez anos depois, a moça vai viver com a sua mãe, para prestar vestibular em uma faculdade paulista. Porém, a convivência com uma família rica despertará uma mudança comportamental que irá atingir os dois lados.


É irônico como que nesse atual Brasil, onde sua população se divide em divergentes ideologias políticas e se entregam a debates (?) insuportáveis que resultam em belas dores de cabeça, surge logo um filme como esse. Eis que o cinema tupiniquim apresenta Que Horas Elas Volta?, um retrato fantástico que tanto enaltece aqueles que defendem a causa do filme, e revolta os opositores por conta de seu sucesso.

Centrado na empregada doméstica Val, o filme inicia com um delicioso foco na relação dela com o filho dos patrões, seja na maneira de brincar e falar com ele, fato que futuramente deu autenticidade para ela poder chamar a atenção do mesmo, corrigindo seus erros e dando amparo psicológico no momento em que ele mais precisava, fazendo dela uma verdadeira segunda mãe, como aponta o título internacional da obra. Trabalho esse feito pelo longa de maneira tão sutil, que passou despercebido o clichê dela ser uma nordestina, que deixa uma filha em sua terra-natal e migra para São Paulo em busca de crescimento profissional e financeiro.

Dirigido por Anna Muylaert, o filme trabalha uma família rica com dotes modernos, como pode ser visto no ato de um casal e seu filho usarem cada um celular na mesa, abdicando de uma conversa e de um momento familiar; e também quando, com muita naturalidade, aceita-se o consumo de maconha por parte de um adolescente, com mais apego a busca pela legalidade da droga e os seus comprovados benefícios. Mas tudo isso nada mais é do que a forma com que eles aceitam os avanços sociais que tendem a beneficiar exclusivamente a sua classe, já que internamente, na matriarca da família, o pensamento arcaico ainda acaba imperando no lidar com as minorias, ao passo de, após 13 anos, não saber reconhecer a filha de Val pelo nome. O que resta é bancar a simpática por pura questão de elegância e civilidade, quando há um monstro prestes a exibir seus dotes de menosprezo para/com o próximo.

A chegada de Jéssica na trama acaba comprovando o status de uma triste realidade da nação. Posando de magoada pela falta de acompanhamento afetivo por parte da mãe, mesmo sendo sempre ajudada financeiramente, a moça não se censura em exibir atos de rebeldia, que a obra faz questão de mostrar ser puro desvio comum da idade, porém o roteiro escrito pela própria diretora do longa capta a crença nacional de que é a classe social que determina se fatores psicológicos são ou não relevantes na hora de se julgar um erro, e ao passo que desmoralizar a jovem pernambucana que estava pela primeira vez em São Paulo não era nenhum problema, era mais que natural que a entrada dela em uma piscina seja duramente comparada a de um rato e o que desejo da garota de ser arquiteta seja objeto de repúdio imediato.

Estruturado em montar um verdadeiro contraste entre classes, o filme ainda tem espaço para os ideais machistas, ao ponto de uma jovem virar um real objeto que deveria aceitar uma proposta de casamento, pois simplesmente o pretendente a levaria para onde ela quisesse; e como se não bastasse, há o ato de não esconder a revolta por ver um pobre passar no vestibular, enquanto um rico não conseguia tal proeza. Mas nada que um intercâmbio não possa mudar o jogo.

O maior cerne do filme, com uma grande e impecável equipe técnica feminina, é mesclar a vida de uma doméstica com os assuntos trabalhados, fugindo de estereótipos já bem difundidos na tv e cinema, como o da empregada folgada,  cômica ou ladra. O retrato da Val é de uma pureza humana construída em minúcias, exibindo facetas de humildade, companheirismo, preocupação, apreensão e ingenuidade, entregues numa atuação primordial de Regina Casé, que numa postura estranha ao que estamos acostumados ao ver da atriz e apresentadora, convence na autêntica precisão com que seu personagem é exposto, tornando ainda mais claras e sem complexidade as referências bem atuais aos combates de ideologias e da covarde opressão que as minorias sofrem por um povo que se considera moderno e “de bem”.

Que Horas Elas Volta? retrata com maestria as diferenças sociais, destacando uma classe dominante, que não aceita o crescimento do menor, mesmo que isso em nada interfira na sua vida. Louva-se o brilhantismo de Anna Muylaert que, mesmo sem excessos, incomoda ao transpor as demagogias do conservadorismo da classe média alta, que menospreza a dignidade humana do próximo e trata tudo isso como uma atitude normal, não passível de reação, já que não concordam que os mesmos princípios democráticos valham para todos. O saldo desse filme, que promete ser o melhor nacional de 2015, é de encher de orgulho quem apoia o progresso, a liberdade e os direitos das minorias e dos oprimidos, pois terão mais consciência de que estão do lado certo; em contrapartida só deve aumentar a revolta dos demais, pois dificilmente serão convencidos a mudarem de lado. 


1 comentários:

Matheus disse...

Que lindo filme, né? Tem merecido todo o reconhecimento mundo afora!