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sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

UM LIMITE ENTRE NÓS


UM LIMITE ENTRE NÓS
DIREÇÃO: Denzel Washington
ELENCO: Denzel Washington, Viola Davis, Mykelti Williamson, Jovan Adepo e Stephen Henderson


Uma América bem mais racista que os dias atuais é o cenário do drama de uma família em que o pai, em meio a um emprego de altos e baixos, depara-se com um preconceito constante e o desafio de estruturar um lar diante de nada agradáveis desafios.


É preciso assistir e sentir bem a obra, para que façam total sentido as curiosidades por trás de Um Limite entre Nós. O autor da história original, August Wilson, fez questão que o filme fosse dirigido por um afrodescendente, que por sinal veio a ser o protagonista do mesmo, repetindo a parceria feita no teatro com a sua co-protagonista, agora levada às telonas. Justifica-se isso por ser uma trama bastante delicada, onde a visão realista do diretor deve ser o ponto forte para dar precisão ao contexto exibido, onde não havia escolha mais sensata de ser feita do que o cineasta acumular o ato de estrelar, já que a obra é bem clara ao expor que duas cabeças diferentes na direção e no protagonismo poderiam trazer prejuízos à película. Ah sim, me refiro ao Denzel Washington como autor da proeza. E não se deve julgar o sucesso de Um Limite entre Nós em cima do sucesso de sua premiada versão teatral, pois não custa repetir que a linguagem cinematográfica é diferente e requer uma outra abordagem.

Em um período em que a mensagem e a luta de Martin Luther King ainda não estava difundida nos Estados Unidos, a trama contempla o convívio mais que inevitável com a prática racista e o menosprezo escancarado, diante de uma lavagem cerebral que impunha que os negros eram e deviam se portar abaixo dos brancos. O comportamento inicial do Troy (Washington) denotava um ser, que apesar de todos os percalços, queria viver intensamente e feliz, mas o desenrolar de Um Limite entre Nós mostra claramente uma postura contrária. O título do filme vem muito bem a calhar, devido ele se passar, quase em sua totalidade num mesmo cenário, o que indica um isolamento ou até mesmo um apartheid em que os negros eram inseridos no período, daí isso acaba sendo um transtorno moral e físico para o personagem, que acaba indicando quem realmente ele é: um marido controlador, que se dá o direito de ser e fazer tudo o quer; um pai, que ao ver o filho crescido, retira de si toda a responsabilidade, mas ao mesmo tempo exige que a cria mostre independência e saiba “se manter” num panorama mais além e mais diríamos incompreensível que um “não dou os peixes, ensino a pescar”, justificando a situação em que o mesmo recusa-se a ajudar o primogênito com 10 dólares; e para encerrar, vem a manipulação com o filho adolescente e sonhador, no qual trata-o como uma marionete, e que o garoto tem que ser e agir como ele quiser e pronto, elucidando que não o ama e a tutela lhe dá esse “poder”.

Sendo assim, fica bem claro que quem for assistir a Um Limite entre Nós irá se deparar com um homem repugnante. Aí que nos enganamos. O brilhante e minucioso roteiro escrito por August Wilson (já falecido) mescla esses lamentáveis atos a um passado tenebroso e de muito sofrimento para o Troy, narrado pelo próprio. Assim, no tocante em que ver a malevolência do protagonista poderia (e pode) fazer com que qualquer um deixasse de ver o filme, sua história de vida já acaba prendendo o espectador, o que tornou o filme incrível. No geral, a dramaticidade de Um Limite entre Nós mostra que o comportamento de um cidadão nada mais era do que o próprio reflexo daquilo que ele viveu, num exemplo claro de uma humilhação tão forte que construía um caráter de alguém revoltado, e que o passar do tempo e a vida que lhe era imposta não era suficiente para tentar uma postura de distribuição de benesses a outros. Assim, Troy acaba transformando-se num herói, e quem lhe dá tal status são justamente as vítimas de seu temperamento difícil, por acreditarem que aquilo tudo não era algo natural e sim um fruto do meio em que viviam.

Esquivando-me da direção, coloco Denzel Washington como a pedra fundamental do filme, numa performance que ninguém faria melhor ou igual, captando a frieza do Troy e sem limitar-se a usufruir dos tons vilanescos e cínicos do personagem, tornando concretos todos os sentimentos de quem se depara com a complexidade dele, seja em cena ou no público que assiste a obra. Viola Davis mostra segurança como a Rose (esposa do protagonista), construindo uma dona de casa forte, que não teme o marido, mas sabe que não tem como deter suas atitudes. No que parecia que sua atuação seria assim durante a película, ela embarca perfeitamente com os tons sentimentais que a personagem começa a ganhar, mostrando uma figura frágil e temerosa de acabar virando um número de um dado alarmante para a sociedade americana da época. Não será fácil esquecer os seus prantos ao discorrer sobre famílias com filhos de pais e mães diferentes.

Um dos maiores sucessos de crítica em 2016 (circuito americano), Um Limite entre Nós mostra-se uma obra capaz de exibir diversa facetas humanas em um ambiente de menosprezo, justificando cada ato, e criando uma mensagem de que o desenvolvimento de uma sociedade está interligado a maneira com que ela é cuidada e como sua imagem é apresentada. Que sejam esquecidos os malfeitos do Troy, afinal ele e toda a sua família são vítimas. Como sabiamente Viola Davis falou em 2015, o que separa negros de outras pessoas é a oportunidade. Talvez isso tenha faltado para Troy.



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