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domingo, 16 de dezembro de 2018

ROMA


ROMA
DIREÇÃO: Alfonso Cuaron
ELENCO: Yalitza Aparicio, Marina de Tavira  e Marco Graff


Uma mulher trabalha como empregada doméstica para uma família de classe média, na Cidade do México. A década é a de 1970, e o passar dos anos faz com que não só os familiares, mas também a babá, passem por mudanças drásticas na vida, no que será um desafio para eles se readaptarem ao indesejável novo.


Se algum estudioso decidir escrever algum livro sobre os cineastas da segunda década do século XXI, tal obra deverá ter um capítulo especial só com os diretores do México, afinal, vêm de lá os três mais bem sucedidos dos últimos anos no mundo do cinema: Alejandro Gonzalez Iñarritu, Guillermo Del Toro e Alfonso Cuaron. Este último, mesmo com a sua mais que consagrada carreira em Hollywood, com filmes como Gravidade, Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, A Princesinha e Filhos da Esperança, volta à direção em sua terra-natal, cinco anos depois de seu último longa, e escancara para o mundo uma realidade que muitos veem, e outros também, mas fingem que nada está acontecendo.

Roma ganhou o Leão de Ouro no último Festival de Veneza e neste momento é favoritíssimo a ganhar o Oscar 2019 de Melhor Filme Estrangeiro – o que pode ser a primeira vitória mexicana na categoria. A polêmica em torno da obra é o fato dela ser original da Netflix, já disponível para os assinantes, porém exibida em poucas salas de cinema ao redor do planeta. O que gera o seguinte debate: filmes da plataforma devem ser elegíveis para o Oscar ou devem ser considerados telefilmes, concorrendo assim aos prêmios da televisão? Steven Spielberg já deu o seu parecer. “Se você produz para um formato de televisão, é um filme de TV. Se for bom, certamente merece um Emmy, mas não um Oscar. Eu não acredito que filmes que se qualificaram simbolicamente sendo exibidos por menos de uma semana num cinema devam concorrer ao Oscar. É um claro e real perigo para os espectadores das telonas”, disse o diretor. Quanto a mim, no que se refere ao assunto, chego a adotar uma postura ao estilo “tanto faz, como tanto fez”, mas no fundo, acho sim esquisito tudo isso.

Agora analisemos Roma enquanto arte, e não enquanto cotado a prêmios. Faz-se justo enaltecer a metáfora que Alfonso Cuaron criou, tanto no ato de dirigir, quanto na função de roteirizar o filme. Enquanto um chão é lavado, podemos ver na água os reflexos de uma dura vida. No ar, observa-se um avião seguindo a sua rota. Para quem é menosprezado, vítima da dura desigualdade social, tão grave no México, quanto é no Brasil, eis a dúvida cruel: Será que um dia estarei lá? A água agora tenta limpar o que há de obscuro. Os personagens, à princípio, são retratados com pouco foco em suas fisionomias, mas nota-se que a comunidade pobre é descendente de indígenas, que são grandes injustiçados históricos, mais propagados e defendidos na sétima arte do que nas novelas mexicanas.

Na rotina da família, o retratar da casa mostra um passeio bem panorâmico, onde o fechar de cada porta, em cada reclusão ou discussão, nada mais é que o recolhimento de cada um em seu drama. E provando que cada objetivo, por mais descartável que pareça, não é colocado ali por acaso, Cuaron mescla uma banda tocando uma marcha fúnebre, em passeio aleatório pelas ruas da capital do México, com uma despedida não espiritual, de alguém que diz ir para o Canadá a trabalho, mas na verdade viverá outro ciclo de vida, e para qual este que se despediu não mais voltará. Típico em muitas famílias, hein?!

A fotografia do filme, toda em preto e branco, e também assinada pelo diretor, representa o luto eterno, além da dificuldade em sermos enxergados no luxo ou até mesmo num caminhar pelo pasto. A babá, que não limitada a carregar a criação de quatro crianças nas costas, passa a ter respeitado o seu direito de ter uma vida pessoal, enquanto adulta, em atos que inclusive beiram a bizarrice. Mas não demora até que a mesma passa a ser vítima de um dos mais imorais abandonos, sendo uma singela estranha em meio a felicidade de outrem, obrigada a apenas viver a vida que a falta de oportunidades lhe deu.

Encontrando um ponto forte na emoção de Roma, Alfonso Cuaron enfia uma bela facada no mais mole dos corações com cenas que escancaram perdas: uma precoce, onde arrepiamo-nos com a humanidade extrema da atuação de Yalitza Aparicio, ao segurar uma criança morta no colo; e a ameaça de novas perdas precoces, numa arriscada e forte cena em mar agitado, onde o final feliz nos brindou com um abraço coletivo daqueles personagens fictícios que tiveram a vida salva, e também daquele elenco jovem que tão primordial executou o ato. Que vontade de participar desse ato fraterno!

Mostrando o seu poderio na arte de diversificar suas obras cinematográficas, Alfonso Cuaron ratifica o quão cineasta de respeito ele é, além de ser merecedor de total confiança da crítica e do público. Não esqueçam do forte drama que abateu os personagens de Roma, e aí pode-se tirar o porquê desse título: coloque-o ao contrário, assim como a vida de todos. Logo, teremos a mais bela das bases que nos motiva a seguir em frente e ter fé de que um dia poderemos ser respeitados no mais belo lugar ao sol que conquistemos.



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