BACURAU
DIREÇÃO: Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles
ELENCO: Sonia Braga, Karine Teles, Udo Kier, Barbara Colen e Thomas Aquino
Bacurau é uma comunidade localizada no sertão nordestino, habitada por uma sociedade comum, mas que acaba sendo surpreendida por ver que a região não consta mais no mapa. Como se não bastasse, fatos esquisitos começam a rondar o local, como estrangeiros, motoqueiros e um drone assustador. A situação chega ao ápice no momento em que assassinatos acontecem, e a população tem que agir contra esse mal.
Ser curto e grosso é a única saída para qualquer cinéfilo que é apaixonado pelo cinema nacional. Sendo assim, afirma-se: Kleber Mendonça Filho é o melhor cineasta do país na atualidade. Para um Brasil, recheado de talentos na direção, mas que limitou-se a louvar nos últimos anos, nomes como o de Fernando Meirelles, Walter Salles e, apesar dos pesares, José Padilha, é mais que um regozijo poder, filme após filme, aplaudir de pé o talento desse pernambucano, que, após O Som ao Redor e Aquarius, convida o seu então desenhista de produção Juliano Dornelles para dividir a direção de seu próximo filme, e, sendo assim, provando que a união faz a força, a dupla entrega o melhor longa brasileiro da década: Bacurau.
Não almejo parecer xenófobo, mas quero enfatizar meu olhar diferenciado pelo fato de eu ser morador do interior nordestino. Um céu estrelado sob a luz do luar é o mais perfeito dos ambientes para as prosas, as histórias que o povo conta e o deslumbre da inspiração da literatura de cordel, porém, o roteiro assinado pelos diretores se dá ao direito de construir uma trama que acontece "daqui a alguns anos", o que dá tons de atipicidade logo no prólogo do longa, por isso, mais do que nunca, Bacurau pode ter ser mistérios, então, quem for para lá, vá na paz.
Um diretor de arte no comando da obra tem a visão de promover aquilo que denota o multiculturalismo nacional. O sertão também tem seu charme e a prova disso é a linda arquitetura das casas, datadas de, no mínimo, a década de 1980, onde ninguém se vê no afã de moderniza-las, mantendo portas e janelas sem grades, teto sem forro, dentre outras peculiaridades. Na única certeza que temos na vida, funerais ecoam tradições, como um corpo velado na cama e rituais que marcam o sepultamento. A direção investe em closes que miram faces verdadeiras, aliadas a tipicidades, como pessoas deixando passar o tempo sentado na porta de casa, criando racionalidades, como reconhecer que é melhor ser michê e prostituta do que ser um ladrão.
Bacurau não está no mapa, mas acontece, e inclusive com mais intensidade do que possamos imaginar. A força da comunidade é o seu destaque, capaz até de esvaziar as ruas quando o indigesto político marqueteiro decide fazer uma visita. Acontece que o filme não prima por fazer um retrato do povo sertanejo, e aí a perspicácia de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles vêm à tona. Um disco voador assusta o povo, o carro-pipa, que é sagrado para eles, sofre um atentado, tem gente nova no pedaço e a informação corre rápido... enfim, quem nasce em Bacurau é gente, e as coisas não ficarão baratas até que tudo seja resolvido.
A trama segue seu desenvolvimento como um verdadeiro thriller misterioso e sem economias, onde matar é a regra e o prazer maior, ao mesmo tempo em que poupar vidas é um mito, num roteiro que passa a misturar a língua portuguesa com o inglês. Mais do que nunca, a vida passa a ser uma competição, e, sitiada, Bacurau volta a provar a força de seu toque de recolher, e escancara que tem inteligência e força física para encarar qualquer situação. Os diretores, num gesto de mestres, transformam o filme num faroeste contemporâneo, para mostrar que aquele povo não briga só por posse de terras, como o senso comum quer pregar. Para quem gosta de um ritmo ágil, a obra é um prato cheio.
Acontece que Bacurau é, acima de tudo, uma crítica social bem esquematizada, e que Kleber e Juliano mostram total controle do início ao fim. Não há desgaste, nem clichês mal usados. Sua não presença no mapa mostra a realidade de diversos povos que são esquecidos em nosso país e lembrados somente em período de eleição. Ser uma presa em meio a gringos predadores e sanguinolentos mostra o quão posamos de vira-latas diante deles, com o apoio de quem forma a elite, que só sabe enxergar o povo como o problema e o que é de fora como solução. Assim, os motivos irreais da questão central do filme mostram-se mais do que reais, pois o que é escancarado é que quem está no poder e quer se perpetuar nele, não mede esforços para eliminar quem o ameaça. Notaram alguns nomes familiares na lista de assassinados? Ao mesmo tempo, o oprimido é liderado por alguém supostamente criminoso e extremamente defeituoso, mas todos sabem reconhecer e louvar o que esse ser fez em prol do bem comum e da justiça social. Percebem semelhanças com a realidade? E assim, com a referência histórica de cabeças em frente a igreja, Bacurau, com um espetacular elenco, onde destacam-se Sonia Braga, Barbara Colen e Thomas Aquino, dá um tapa na cara de muitos ao enfatizar o poder da resistência como precursor da luta para que seja devolvida a dignidade que todos têm direito.




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