DOIS PAPAS
DIREÇÃO: Fernando Meirelles
ELENCO: Jonathan Pryce e Anthony Hopkins
O cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, devido discordâncias com a maneira como o Papa Bento XVI conduz a Igreja Católica, decide pedir a sua aposentadoria. Para a sua surpresa, ele é convidado pelo Pontífice a passar alguns dias no Vaticano para dialogarem, onde, incrivelmente, as conversas passam por diversos temas, não só a religião.
Todos concordam que o mundo dá voltas, mas nem sempre isso é negativo. O cineasta brasileiro Fernando Meirelles começou na sétima arte de uma maneira em que qualquer um achasse, no mínimo, bizarras algumas de suas escolhas, até que em 2004, ele estourou no mundo e se tornou o primeiro brasileiro a ser indicado ao Oscar de Melhor Diretor, por Cidade de Deus - filme que, simplesmente, dispensa comentários. (Obs.: Ressalto que Hector Babenco era argentino). Posterior a isso, ele ingressa à Hollywood e faz O Jardineiro Fiel, que foi uma unamidade, e deu o Oscar de Atriz Coadjuvante para a britânica Rachel Weisz. Não acomodado, ele conseguiu a proeza de adaptar uma obra do português José Saramago, e Ensaio sobre a Cegueira foi o filme de abertura do Festival de Cannes 2008, mas, mesmo que injustamente, não agradou a todos, e fez com que o diretor ficasse mais recluso quanto a carreira, e em seu retorno, 360 acabou por ser um fracasso de crítica. Mas o que não falta no Brasil são ditados populares, e como a esperança é a última que morre, a ousadia está de volta, tal qual a grande carreira do nosso compatriota, e Dois Papas é, de fato, um dos melhores filmes de 2019.
Escrito pelo neozelandês Anthony McCarten (duas vezes indicado ao Oscar de Melhor Filme, com O Destino de uma Nação e A Teoria de Tudo, além de uma indicação a Melhor Roteiro por este último), Dois Papas dá uma autenticidade absurda a uma trama supostamente fictícia, mas ao passo que possui elementos condizentes a Joseph Ratzinger e Jorge Mario Bergoglio, a veracidade que tenta passar, convence e encanta. Fernando Meirelles prega que Papa é a pior profissão do mundo, mas lembra que os ocupantes do cargo são, antes de tudo, seres humanos. Por isso, ninguém, por mais difícil que seja, deve se espantar ao ver o líder católico com certo manejo com a internet, dançando tango e até assoviando "Dancing Queen" - música do ABBA, que é bastante popular na comunidade LGBT. Mas se a benevolência do santo padre tem que ser corretamente escancarada, o foco ao argentino (bem maior que ao alemão) denota o belo sentido de ser um jesuíta, ao pregar o evangelho, a catequização e o amparo aos oprimidos. Assim, o longa, ciente de uma polarização que atinge diversos segmentos ao redor do mundo na atualidade, assumidamente defende a construção de pontes, e não de muros na resolução dos problemas.
Apesar de ser a eleição mais secreta do mundo, até o conclave já teve seus segredos revelados - fato que dá base para criação de diversas teorias. Ninguém deve se esquecer que o Vaticano é um país, e o Papa não deixa de ser o presidente, o chefe de estado daquela nação. Logo, não se pode duvidar que haja política de fato no meio, uma campanha visando o poder, até mesmo porque todos querem dar um toque pessoal naquilo que acreditam. Apesar de ser tão conservador quanto João Paulo II, Bento XVI não manteve a popularidade de seu antecessor, inclusive sendo considerado um nazista por católicos que passavam a cogitar o abandono à religião. Mesmo assim, o alemão não se deu por convencido para trabalhar reformas, e mesmo antes dele cogitar a renúncia, sua sucessão já o preocupava, pois, diferente do resto do mundo, ele sabia da força de Bergoglio e o via como uma ameça à igreja, devido às suas ideologias no que tange a homossexualidade, divórcio, contraceptivos, dentre outros. Em meio a escândalos que marcaram o pontificado de 2005 a 2013, os diálogos de Dois Papas, entre quem exerce o papado e quem nem imagina que irá exercê-lo, não deixam de ser uma transição que culminou com uma verdadeira revolução no catolicismo.
Em Roma, nunca se sabe o que vai acontecer. Coincidências não existem, pois sempre estamos nas mãos de Deus. Dois Papas focaliza em dois cidadãos, a representação de polêmicas que dividem a comunidade, como o celibato e a comunhão. O posicionamento das câmeras durante as conversas, metaforicamente mostram que Bento XVI e Francisco são observados, mas não pelas pessoas da casa de veraneio, e sim pelo mundo inteiro. Na visão do sulamericano, a Igreja vive um atraso de 200 anos, muito complicado de serem recuperados. Trabalhar é preciso, mas, como Papa também é gente, se entreter também é necessário. Assim, que tal um piano ou um disco dos Beatles? É incrível como a humanidade do filme não tira a força de algo construído sem tanta prisão à realidade.
Seguindo uma linha visando o conclave de 2013, encerrado em 13 de março, Dois Papas não sofre percalços, e está bem amarrado em suas um pouco mais de duas horas de duração. As discordâncias são naturais, mas o filme passa também uma mensagem, com imagens que, de fato, doem, onde sugere que as pessoas reflitam como quiserem, mas reconheçam que a benevolência e as boas intenções nem sempre são suficientes, e o que falta para muitos, às vezes, é saber ouvir. As pessoas lideram pela forma que vivem, e mesmo agnóstico, Fernando Meirelles comprova que Papas são sim enviados de Deus. Com atuações espetaculares de Jonathan Pryce e Anthony Hopkins - em especial este último, que está simplesmente paranormal, Dois Papas resgata o cineasta brasileiro que tanto louvamos. Ele se arriscou ao máximo, pois sabia que estava adentrando num ambiente delicado, trabalhando um tema que despertaria a curiosidade geral e poderia resultar em polêmicas, mas, sabendo alternar o drama, a comicidade e até mesmo um pouco de doçura, Meirelles fez o melhor filme sobre o líder da igreja católica, em toda a história do cinema.




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