Ads 468x60px

.

quarta-feira, 15 de abril de 2020

MILAGRE NA CELA 7


MILAGRE NA CELA 7
DIREÇÃO: Mehmet Ada Oztekin
ELENCO: Aras Bulut Iynemli, Nisa Sofyia Aksongur e Denyz Baysal


Um homem com deficiência intelectual é separado de sua filha e sua mãe, após ser preso injustamente, acusado de assassinar uma garotinha, que é filha do comandante da região. Mesmo condenado à morte e, à princípio, sendo mal visto pelos colegas de cela, ele logo conquista a todos e ganha o apoio geral para provar a sua inocência.


Não tenho a mínima intenção em parecer repetitivo, mas em textos anteriores, citei minha imensa felicidade que foi ver o filme sul-coreano Parasita ganhando o Oscar de Melhor Filme neste ano, o que aumentou em todos o sentimento de que existe sim cinema fora de Hollywood. Logo, não posso conter a minha satisfação, quando vejo Milagre na Cela 7, original da Netflix (o mais democrático meio de divulgação de obras cinematográficas), fazer um absurdo sucesso mundo afora. Vale ressaltar que a Turquia jamais disputou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. De fato, isso não é nenhum demérito, mas manteve incólume por décadas a produção do país em questão. É gratificante ver, principalmente o brasileiro, não ligar para a falta de dublagem e embarcar numa trama, que deve contribuir para que o prestígio aos longas de todos os cantos do mundo só cresça daqui por diante.

O prólogo de Milagre na Cela 7 mostra algo que ficou muito claro para o mundo, após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos: uma visão da sociedade como um todo, que unificava negativamente todos os países islâmicos, como se eles fossem uma só nação. Não à toa, fora declarada ali uma guerra contra os muçulmanos, onde quem atacava, não fazia questão de enxergar qualquer inocência na vítima. Apesar da tensão, todos detinham uma vontade de ter um sorriso no rosto. E é fato que o filme, mesmo com um enredo delicado, quis sim esbanjar alegria em cada personagem. 

O diretor Mehmet Ada Oztekin, jovem para os padrões da indústria, concebe uma trama corajosa e, à princípio, coerente, devido à natural falta de penitência, que existe diante do maior pesadelo de um ser humano, que é a perda de um filho. Por um lado, há a insubstituível amputação; e por outro, a injustiça que tem como consequência a retirada do maior bem que uma pessoa viva tem: a liberdade. O decorrer da história perpassa por questões que engrandecem o fator dúvida, elabora deveres morais e não controla o desejo de se fazer justiça com as próprias mãos. Porém, Milagre na Cela 7 não tem, enquanto narrativa cinematográfica, compromisso com o suspense, e jamais oculta do espectador a realidade em torno da história. Sendo assim, não há motivos para desconfianças ou um precipitado plot twist, já que é claro que não temos capacidade de executar nossas piores ações diante de um preso, que está pagando por um crime que não cometeu.

Mesmo que, da boca pra fora, sabemos que julgar o próximo é algo condenável, todos têm uma facilidade absurda em, para o bem ou para o mal, tecer julgamentos contra outrem. Nesse sistema, vemos, com a ajuda do filme, quão perigosa é a pena de morte, pois inocentes podem ser punidos, ela não muda a criminalidade em uma região, dá uma ideia de um Código de Hamurabi contemporâneo e torna-se inclusive incoerente ao ser defendida por pessoas religiosas. Com uma fotografia bela, admite-se que Milagre na Cela 7 tem sim funções didáticas.

Mas preciso admitir que, guiado pela consciência de que temos que ser, acima de tudo, honesto com nós mesmos, que o filme não me venceu o quanto eu gostaria e esperava. Primeiramente, é necessário esclarecer que, por incrível que pareça, uma comédia não precisa nos fazer rir pra funcionar, um filme de terror não deve nos assustar a toda hora para ser bom, e tampouco um drama, como este aqui avaliado, deve apenas nos fazer chorar - algo que não conseguiram fazer comigo. Sendo ele um remake de um filme coreano bem mais racional, Milagre na Cela 7 ganhou, no conjunto da obra, ares de manipulação. Tal fato já se justifica com a trilha sonora extrema e desnecessariamente melancólica e que se fazia presente em praticamente todo o filme, como se quisesse forçar o espectador a se sentir deprimido com certas passagens, que sequer eram tão dramáticas assim. Sem querer parecer radical, mas apenas filmes mudos precisam de uma trilha constante. Com exageradas 2 horas e 12 minutos de duração (não que seja atípico, mas que não são para tanto, devido a história apresentada), Milagre na Cela 7 também pecou por falta de objetividade, ao ter escancarado sem nexo com a trama, detalhes da cultura turca; além de ter focalizado uma passagem sobre a mãe da garotinha, como o único intuito de apenas emocionar, sem que aquilo de fato tivesse uma necessariedade, tal qual a presença da mãe do prisioneiro em todo o filme. Tirá-la da obra em nada prejudicaria o roteiro. Para piorar, a película claramente se mostra preguiçosa para desenvolver uma fundamental adrenalina e agilidade na jornada atrás da testemunha chave, que inocentaria o protagonista. O que realmente se vê é uma construção artificial, ao estilo "para não passar em branco", como se a direção não desse importância a uma peça-chave do roteiro. E um ato que em muito lembrou a obra-prima Um Sonho de Liberdade, de 1994, acabou aumentando o meu desagrado.

Claramente se deixando levar por questões de senso comum no trabalhar da obra, Milagre na Cela 7 é, no geral, um filme forçado, que pega no ponto fraco do espectador, sem ter uma estrutura que realmente valorize um conteúdo, que poderia haver em meio aquela dramaticidade. No elenco, prefiro aplaudir a adorável garotinha Nisa Sofyia Aksongur, que se portou corretamente conforme a idade da personagem. Não suporto performances infantis que querem beirar a maturidade. Quanto ao final, que me surpreende que tenham pessoas que não o entendeu, deve-se admitir que ali sim há uma atitude bonita, mas quem aplaude, também devia se perguntar se teria capacidade e coragem de fazer o mesmo. Talvez o desfecho também careceu de uma bela lição de moral.

    

0 comentários: