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domingo, 17 de janeiro de 2021

UMA NOITE EM MIAMI


UMA NOITE EM MIAMI
DIREÇÃO: Regina King
ELENCO: Eli Goree, Kingsley Ben-Adir, Aldis Hodge e Leslie Odon Jr


Cassius Clay é um jovem lutador de boxe, da categoria peso-pesado, que, bastante promissor, no futuro se transformaria na lenda Muhammad Ali. Após ganhar notoriedade no evento Miami Beach Convention Center, ele conhece pessoas como Malcom X, Sam Cooke e Jim Brown, e ali se inicia uma amizade entre eles.

Justiça seja feita, os Estados Unidos deve sim ser respeitado como uma nação que sempre soube cultuar bem suas figuras históricas. Muhammad Ali é, sem dúvida, o maior boxeador de todos os tempos. Malcom X foi uma referência em ativismo pelos direitos dos afrodescendentes e defensor do nacionalismo negro. Sam Cooke foi um cantor de renome, e, para muitos, foi o responsável pela criação e popularização da soul music. Jim Brown foi um artista e jogador de futebol americano, craque do Cleveland e considerado um dos melhores da história. Com todos esses atributos, nada melhor que tratar uma amizade entre os quatro como produto a ser reproduzido na sétima arte, mas uma coisa é fato: nem só de camaradagem viveu a relação entre os quatro.

Uma Noite em Miami é roteirizado por Kemp Powers, baseado numa peça teatral homônima, de 2013, escrita por ele. O filme traz na direção Regina King (vencedora do Oscar 2019 de Melhor Atriz Coadjuvante, por Se a Rua Beale Falasse), em seu primeiro trabalho de destaque atrás das câmeras. No cinema, antes ela só havia dirigido o documentário Story of a Village, em 2014. Valorizando a população afro de maneira estrelar, ela se arrisca oferecendo situações clichês, para saber contar vantagem em outros elementos e, assim, entregar um dos melhores filmes de 2020.

Para a grande recepção que recebeu no ano passado, durante o Festival de Veneza, não tem como não se assustar em Uma Noite em Miami, com uma primeira cena em que um músico negro esvazia a plateia de um salão destinado a brancos, escancarando um ato manjado, que muitos filmes do gênero não abrem mão. Porém, a produção soube usar uma estratégia em que fatos teoricamente falhos pudessem ser trabalhados, mas que caíssem ligeiramente no esquecimento do público. Daí a eficiência do montador Tariq Anwar (indicado ao Oscar com Beleza Americana e O Discurso do Rei), que soube utilizar cortes rápidos e uniu bem os 4 principais atos do prólogo, para provar que o filme tinha sim um boa essência. E logo de cara, para o surto dos preconceituosos, tem-se um soco no estômago com o retratar do racismo estrutural, descaradamente presente atrás do sorriso de quem não se julga racista - o que torna a trama mais atual impossível, mostrando a necessidade e as falhas do combate a esse mal.

Dando um equiparado destaque aos 4 personagens centrais de Uma Noite em Miami, Regina King soube apresentá-los de maneira objetiva, sem delongas desgastantes e com bastante impacto, exibindo que dentro deles há algo bem maior do que aquilo que os levou ao estrelato. Mas o que esperar desse encontro? Eles também são humanos, com direito a se divertirem e se entreterem como amigos quaisquer. Mas será mesmo que aquela realidade americana de mais de 50 anos atrás faria com que uma conversa entre eles deixasse certos assuntos polêmicos passarem despercebidos? Lógico que não. É por isso que Regina King se arrisca e os coloca entre 4 paredes, quase que literalmente falando, e diálogos são conduzidos em meio a luta de cada um e até mesmo em meio aos seus vacilos. O racismo é mais forte que qualquer um possa imaginar, e como o próprio filme escancara, a situação atinge a todos os negros, independentemente de condição financeira. Por acaso "negros burgueses" (como o roteiro do longa indica) são poupados de atos discriminatórios? Claro que não. Assim, a diretora aprimora os debates ali presentes e os concentra por grande parte do tempo em um só ambiente, porém a segurança dela é tão grande, que o ato longo consegue ficar interessante e nem um pouco cansativo.

Aliando ganância, talento e preconceito na pauta de uma rica discussão, Uma Noite em Miami apresenta-se com um dos melhores elencos de 2020, com posturas surreais de dar uma outra vida a personagens que marcaram uma geração na cultura americana. Porém, eu tenho ressalva: a atuação de Leslie Odon Jr, como Sam Cooke, é espetacular, mas eu não entendo o porquê de apenas ele estar sendo cotado ao Oscar 2021, no tocante em que Eli Goree, Kingsley Ben-Adir e Aldis Hodge não estão por baixo. Todos estão igualmente fantásticos, e em determinados momentos, Odon Jr é até ofuscado. Será mesmo que ninguém tenha ficado impressionado com um diálogo em que Ben-Adir e Hodge roubam a cena ao falarem sobre poder? A César o que é de César, por favor.

Com questões importantes e trazendo diversas vertentes da questão racial, Uma Noite em Miami é um grande e necessário filme. "Em uma época de mártires e se eu tiver que ser um, será pela causa da irmandade. É a única coisa que pode salvar este país" - é com esta frase de Malcom X que o longa tem o seu desfecho, que emociona e também propõe uma outra reflexão, ao lembrar que até quem luta por um ideal humano, às vezes precisa também rever certos conceitos.


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