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domingo, 21 de março de 2021

NOMADLAND


NOMADLAND
DIREÇÃO: Chloe Zhao
ELENCO: Frances McDormand, David Strathairn e Gay DeForest


Uma cidade do estado americano de Nevada passa por uma gigantesca crise econômica. Assim, Fern, uma mulher de 60 anos, pega a sua van e passa a desbravar os Estados Unidos, convivendo com pessoas que tomaram a mesma decisão que ela e mostraram que tem como sim haver uma nova sociedade nada convencional.


Chloe Zhao é uma jovem cineasta chinesa, que tem como madrasta a atriz Song Dandan, de O Clã das Adagas Voadoras. Desde jovem, sempre foi uma apaixonada pela cultura pop, o que a fez se despir das tradições de seu país e assim passar a abraçar características americanas e inglesas. Cientista política por formação, ela sempre buscou em sua carreira cinematográfica, focalizar o outro lado daquilo que é típico, escancarando o novo que temos que admitir. Não à toa, caberá a ela dirigir Os Eternos, que é o próximo grupo de heróis da Marvel; e é dela este filme aqui avaliado, que, sem dúvidas, é um dos melhores de 2020. 

Grande vencedor do Globo de Ouro, Nomadland é o favorito ao Oscar 2021 e tem méritos para isso, mas o que me chama a atenção é a maneira como fatores políticos engrandecem um filme e um gênero em meio a uma efervescência mundial, respingando inclusive na maior premiação do cinema. Quando Barack Obama assumiu a Presidência dos Estados Unidos, em 2009, a maior imagem que ele passou foi do otimismo, que era justamente essa a mensagem de Quem quer ser um Milionário?. Donald Trump foi para a Casa Branca e, diante de uma Hollywood opositora, viu a força da temática LGBT de Moonlight - Sob a Luz do Luar se contrapondo a um de seus discursos. A chegada de Joe Biden ao maior cargo de poder do mundo foi uma resposta após um período em que a América colapsou em diversos segmentos, estando nas mãos de uma extrema direita e de um extremo capitalismo. Curiosamente, Nomadland gira em torno de pessoas que se cansaram do próprio capitalismo e se mostram crentes que vidas dignas podem acontecer em modelos diferentes. Assim, tais seres buscam mostrar os seus reais valor e lugar ao sol em meio a uma espécie de Titanic afundando, contrapondo-se assim a fala de Cal Hockley, que afirmava que era a melhor parte quem se salvaria, caso os botes privilegiassem a primeira classe.

Excentuando-se a protagonista Fern, Nomadland tem personagens pontuais, que caracterizam personalidades diferentes e que buscam mostrar o que há de positivo naquilo que está longe do popular. Assim, enquanto famílias conseguem não ser um ambiente agradável, uma reunião de alcoólicos anônimos tem capacidade de entreter quem quer se desvincular dos percalços da vida. Carregando a responsabilidade de ser produtora, diretora, roteirista e montadora, Chloe Zhao dialoga com o público e não se esquiva de ir para um debate saudável com quem pensa diferente. Ora, fisica e/ou psicologicamente, tudo e todos podem ter a sua beleza; e até mesmo quando há sentimentos e obrigações, o mundo que é capaz de cair sobre a vida de alguém, pode torná-la uma pessoa que tem que fugir de seus monstros, forçando um distanciamento de seus anjos, na ciência de que uma ausência pode ser positiva e necessária para uma coletividade. Sendo assim, uma forte crise econômica não é necessariamente a causa de uma mudança drástica, mas sim a que faltava para tal.

Agindo bem no psicológico em defesa de uma classe não desfavorecida, mas que age a favor desta, Nomadland ecoa, por meio de um roteiro minucioso, propor reflexões em cima do certo e do errado, mostrando o que há de positivo e de negativo nos dois lados da moeda. Numa cena em que a protagonista encontra um jovem que abandonou pai, mãe e namorada, o impacto está num diálogo em que votos de um casamento são o cerne: "Como hei de comparar-te a um dia de verão? És mais amável e mais ameno. Ventos fortes sopram os doces botões de maio, e o verão passa depressa demais. Por vezes, o sol brilha forte demais ou esconde o rosto dourado sob a névoa, e tudo que é belo pode declinar, por acaso ou por obra da natureza. Mas teu verão não se extinguirá, nem declinará a beleza que tu possuis, nem a morte virá arrastar-te sob a sombra, quando estes versos te levarem à eternidade". Não se enganem, isso se chama viver.

Com uma extraordinária atuação de Frances McDormand, precisa nos nuances e na instabilidade de sua Fern, Nomadland que nos dar as mãos e acaba mostrando um pouquinho de cada um de nós, em meio a diversidade que é natural em qualquer sociedade. Reflexões e valorização à dignidade humana ganham força, e os versos de Gonzaguinha passam a fazer mais sentido, quando vivemos sem ter a vergonha de ser feliz, nos propondo a sermos eternos aprendizes.



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