LION - UMA JORNADA PARA CASA
DIREÇÃO: Garth Davis
ELENCO: Dev Patel, Nicole Kidman e Sunny
Pawar
O jovem Saroo, com apenas cinco anos de idade, tragicamente
se perde de seu irmão em uma estação de trem, em Calcutá (Índia). Assim, amparado
ou desamparado, se vê em situações delicadas, até que consegue ser adotado por
uma família australiana. Ao completar 25 anos, sem perder as esperanças, não se
limita em recuperar o seu passado e reencontrar a sua família biológica, mesmo
a milhares de quilômetros de distância.
Evidente que o clássico nunca deve ser aposentado, principalmente se
tratando de arte, mas dar uma nova dimensão aquilo que já conhecemos é bem mais que concebível, por isso não é com maus olhos que devemos ver o retratar da Índia,
sustentando uma trama na parte moderna do país. Mesmo assim, para tal mudança na forma de vermos o lugar, há ainda fatores no
mínimo esquisitos que causam algum desconforto. Exemplo: um filme ter um jovem dessa nação
como protagonista, e o mesmo ser interpretado por Dev Patel, é a mesma coisa de
ser elaborada uma história de amor de um casal maduro passada na Espanha, e
escalar Penélope Cruz e Javier Bardem para tal. Escolha óbvia, onde nos questionamos se não haviam outras opções. Além disso, há o
fato de focalizar a vida de uma criança pobre, e vermos serem desenvolvidas
passagens em torno do trabalho infantil e o tráfico humano. Será que a Índia
só vive disso?
Lion – Uma Jornada para Casa não foge de jeito nenhum dessas
características, mas este trabalho inicial do jovem cineasta Garth Davis, tem
em mente que a maneira como desenvolvê-las pode se sobressair a todos esses
novos clichês que assolam o país asiático. Felizmente, o filme é maior que elementos que poderiam diminuí-lo. O gigantesco carisma do garoto Sunny
Pawar já é suficiente para mostrar que aquele personagem principal não é um ser
qualquer e não só nos prende, como nos convida a viver aquela aventura com ele.
Só a maneira como ele chama “Guddu” é de uma inocência tão bela, que
dificilmente tiramos essa palavra da mente.
Focalizando os desafios de uma criança perdida, que
inevitavelmente vive nas ruas e se depara com tráfico humano, a obra desafia o
espectador a se conter diante das situações em que o Saroo se depara, e os
cortes e os planos utilizados não são suficientes para nos exibir se ele tem como escapar
do mal que o persegue, e assim Lion – Uma Jornada para Casa usa e abusa da
astúcia do garoto, que outrora parece ingênua, mas no momento desperta a
esperteza para seguir em frente. Sendo assim, ele transforma-se em um trunfo por si só. A interpretação de Pawar, que roubou a cena na
festa do Globo de Ouro, encarna com perfeição e doçura cada nuance da vida do
menino, que define ao extremo o elo entre o público e a história, que nos
transborda um certo alívio ao vê-lo sendo educado, para consequentemente ser
adotado pela família australiana.
Acontece que, como foi muito bem difundido mundo afora, Lion
– Uma Jornada para Casa é “dois filmes em um”: um sobre a infância e outro
sobre a fase adulta do Saroo, sendo que o primeiro é bem mais interessante. O
crescimento do personagem e o estabilizar da trama na Austrália, exibe uma
trajetória normal de um jovem que visa adentrar na vida profissional, chegando
a mostrar alguns desvios de caráter no mesmo, como na cena de sua briga com o
irmão adotivo e em alguns tratamentos com a namorada (vivida por Rooney Mara). Pelo menos, essa segunda parte não se torna desinteressante pelo teor
emotivo que vem criando, e isso está diretamente ligado a espetacular
atuação de Nicole Kidman, que eu colocaria facilmente entre as cinco melhores
de sua carreira. Em olhares e gestos de doçura, ela assume o papel de mãe, no
sentido mais moral da palavra, em posturas de carinho, amparo e felicidade. Em
meio as adversidades de se ter um filho, seu semblante ganha tons enigmáticos,
e nos perguntamos como ela irá agir diante de certas situações. Algumas de suas
reações não são aquelas que esperamos, mas o desenrolar da história justifica o
mesmo, e nos contempla com o ar de uma mulher que sofre com o sofrimento de
seus entes, e no momento em que ela explica o motivo de não ter tido filhos
biológicos, nos esquecemos de que ali se trata de uma atuação, e choramos junto
a ela e nos devastamos por aquela mulher, que não seria interpretada de melhor maneira por qualquer outra atriz.
Tendo o seu desfecho com a resposta às perguntas dramáticas que todos se
fizeram, Lion – Uma Jornada para Casa ratifica a competente atuação de Dev
Patel, desmistificando a questão dele ser uma escolha óbvia, e em meio a uma
grande realização final, entrega diversos finais, alguns felizes e outros não, mas o que pode ser sacramentada é uma mescla de compaixão e esperança no
coração de todos ali envolvidos, proporcionando ao espectador uma experiência
em que ele deixa a emoção tomar conta de si.
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