POLÍCIA FEDERAL - A LEI É PARA TODOS
DIREÇÃO: Marcelo Antunez
ELENCO: Antonio Calloni, Marcelo Serrado, Flavia Alessandra, Ary Fontoura e Bruce Gomlevsky
O delegado Ivan e sua equipe
lideram as investigações da maior operação contra a corrupção da história do
Brasil: a Lava Jato. É exposto todo o trabalho dos mesmos, em parceria com o
Ministério Público, para desvendar os esquemas de pagamentos de propina
bilionários, podendo ir de encontro aos políticos mais poderosos do país.
Muito se prega que é bom ser
autêntico e sempre ter uma opinião formada sobre determinado assunto e jamais
ter medo de expô-la, mostrando que se é um cidadão que sempre fala o que pensa.
Só que qualquer ser que tem optado pelo silêncio, está aí para comprovar que na
turbulenta atualidade brasileira, o resguardo pessoal é uma eficaz arma contra
constrangimentos que têm sido mais políticos do que nunca, e acreditem: faz bem
à saúde. Digo isso porque poucas vezes, em 27 anos de uma vida cinéfila, evitei
tanto falar o que eu achava de um filme antes vê-lo, como com Polícia Federal –
A Lei é para Todos, devido quão delicado ele é. Agora, após conferi-lo, a minha
função como crítico me fez abandonar o resguardo e ser, acima de tudo, honesto
comigo em minha opinião. Em um ponto eu tenho que fazer coro junto a diversos
críticos que dizem que lançar esse filme neste período foi um erro gigantesco, mas
ressalta-se que tal ideia pode ter sido tranquilamente proposital e até por motivos financeiros. Ora, a
Operação Lava Jato ainda não acabou e é muito provável que ainda tenha muita
água para passar por baixo dessa ponte. O mais correto seria uma abordagem
cinematográfica entre 10 ou 20 anos após o seu término, quando a poeira em cima
dela já baixasse, proporcionando assim uma neutralidade no ato de conferir a
obra, analisando-a enquanto cinema, enquanto arte. Essa minha opinião é
idêntica quanto a cinebiografia do Lula, lançada há quase dez anos. A questão é
que, no momento, o embate esquerda x direita vem para a sétima arte, e a obra
passa a ser objeto de disputa. Lembrem-se que a Lava Jato divide opiniões, e
inclusive há quem a critica em alguns pontos, mesmo demonstrando ser a favor
dela. Por isso, mantive-me calado enquanto eu não a assistisse, em meio a
diversos amigos coxinhas e petralhas divergindo em suas opiniões, enaltecendo
suas visões políticas. Nesta altura do campeonato, quem é petista, vai se
portar contra o filme, acusando-o de ser uma arma política; enquanto os
anti-Lula vão idolatrar a obra, usando-a como uma prova cabal da necessariedade
do filme, que seria um instrumento que expõe uma eficácia e uma legalidade
extrema no trabalho da Polícia Federal. Só que eu volto a lembrar: a Lava Jato
ainda não acabou, e o que ela menos precisava era ter pessoas mesclando arte
com ela, neste momento.
Firmando aqui um compromisso
de ressaltar os elementos artísticos incutidos, confesso que não será fácil
despir-me de insatisfações que de artísticas não têm nada, mas que querem
preservar o que há de mais belo no segmento. Polícia Federal – A Lei é para
Todos foi dirigido por Marcelo Antunez, responsável por cretinas comédias da
Globo Filmes, e que agora adentra a um novo patamar, buscando em si uma
seriedade que talvez jamais existira. Faz-se justo admitir a tentativa que a
película tem em querer comprovar ser um eficaz filme de ação, inovando no
patamar do cinema nacional. Tudo isso pode ser visto na própria cena da perseguição ao
caminhão carregado de palmito, montada sob uma trilha sonora propícia para o gênero,
querendo incutir um ritmo ágil à trama. Fatores positivos? Evidente que sim,
mas Alfred Hitchcock já afirmava que nada é mais fundamental num filme que o
seu roteiro.
Escrito por Thomas Stravos e
Gustavo Lipsztein (este último com trabalhos no exterior), Polícia Federal – A Lei
é para Todos focaliza em seu princípio o cerco ao doleiro Alberto Youssef, com
direito a uma passagem por todas as pessoas ligadas a ele, inclusive uma amante
de fisionomia oriental, apresentada no filme com uma sensualidade de uma
gueixa e a luxúria de uma socialite europeia, querendo de maneira falsa dar
ares de primeiro mundo à obra. Só que o ponto central desse ato se passa em São
Luis (MA), cidade a pouco mais de 100 km de onde moro. Dali já tive noção do que vinha pela frente, a começar pela forma com que
o personagem Julio Cesar (vivido por Bruce Gomlevsky) se referiu ao Hotel
Luzeiros (atualmente o mais famoso da capital maranhense), onde havia inúmeras
formas de se citá-lo, incluindo-o num contexto investigativo, mas o roteiro acaba optando de maneira super
desnecessária por avacalhar o setor hoteleiro da cidade, claramente diminuindo
seu litoral e patrimônio histórico, e sua proximidade com um dos maiores polos turísticos
do país (Lençóis Maranhenses), taxando São Luis como um local qualquer, que
mais parece ter umas três pousadas, só para não dizer que não tem nenhuma. Tudo
isso aliado a locações que descaradamente não escondem que a cidade ali
retratada não é a terra de Aluísio Azevedo, e usa casarões cariocas (lindos, por sinal) para
simbolizar os ludovicenses.
Dali em diante, a formação do
grupo de delegados da Lava Jato apresenta pessoas de respaldo, inteligentes,
sérias e competentes para área. Maravilha, hein?! Curiosamente, o mesmo
trabalho de dignificar tais personagens, o diretor Marcelo Antunez não teve com
o juiz Sérgio Moro, retratado por Marcelo Serrado com uma cara bem mais fechada
que o habitual, tendo claramente sua função diminuída pelo filme, como se na
verdade ele fosse um cidadão qualquer na Justiça Federal. Fico pensando que a
talvez exclusão dele da história não traria interferência à trama, que mais parece
querer jogá-lo para escanteio, e cria descartáveis momentos dele em família,
que tentam dar um ar de descontração em meio a tensão, mas que a postura de seu
intérprete destrói cada ato. Voltando aos super delegados (termo meio eleição
americana, né?), Polícia Federal – A Lei é para Todos cria neles um mix de
artificialidade com superficialidade, ferindo qualquer objetividade necessária,
já que a maneira como as investigações, suspeitas e conclusões se dão mostram
uma rapidez e uma “matada de charada” que desafiam todas as leis da
racionalidade, fazendo desses caça-corruptos, verdadeiros portadores de varinha
de condão, ao ponto de conseguirem se deslocar à sede do Ministério Público da
Suíça, conseguindo documentos no estalar dos dedos, sem que o filme demonstre
qualquer passagem de tempo. Ressalto aqui que não critico os delegados, e sim o
filme, que com certeza não quis gastar tempo, e não se preocupou em aprofundar a
concretude dos casos, para dar uma gigantesca autenticidade a qualquer custo aos fatos atuais, que ainda são
vítimas de desconfiança. O elo produção/direção/roteiro brincou tanto, que não
se censurou a criar atos cômicos com fases operacionais que simplesmente
beiravam o ridículo. Os processos e os casos de corrupção não são piadas, e não
acredito que alguém ligado a Justiça Federal não tenha notado o rebaixamento de
Moro e o mundo utópico em volta de investigações capazes de influenciar nos
mais altos escalões dos três poderes, como o filme fez questão de propagar.
Agora o ápice de tudo foram os
derradeiros momentos quando a política entrou com mais força em jogo, e o mais
famoso réu da justiça brasileira chegou à película. A princípio achei
interessante a escolha de Ary Fontoura para viver o ex-Presidente Lula, principalmente
por ser ele um crítico público ao Partido dos Trabalhadores. Existem antíteses que
são fantásticas. Só que eu também acreditava na isenção do filme, e ao assisti-lo
notei que sua escolha foi para engrandecer de maneira destemida uma figura que
poucas vezes vi ser ridicularizada na sétima arte. O ato de sua condução
coercitiva, exibido como se não tivesse sido espetacularizado pela mídia, e provido
de uma maneira que o filme mostra Sérgio Moro como uma marionete dos delegados,
mostra um Lula transformado na agressividade em forma de pessoa. Enquanto
diversos veículos de informação, em março de 2016, noticiaram a forma bem
humorada como o petista havia perguntado por Newton Ishii (o “Japonês da
Federal”), Polícia Federal – A Lei é para Todos exibe um ato grosseiro, onde
difama-se a imagem de um servidor público (mesmo sendo ele acusado de
contrabando), aliado a um ex-chefe do executivo alterado, tecendo palavras de
baixíssimo calão contra o Ministério Público, e agindo de maneira arrogante com
os oficiais da Polícia Federal, chegando ao ponto de fazer ameaças graves
contra eles. Vocês podem acreditar que assistido é até mais forte. Mesmo que eu
tenha em minha sã consciência de que não devemos colocar a mão no fogo por
ninguém, fico me perguntando o que embasou o roteiro do filme a criar essa
situação. Há provas concretas para tal? Não me lembro de ter sido propagado no
período, e se realmente aconteceu, teríamos aqui uma grande ferida ao segredo de
justiça. Sendo assim, o filme mostra
claramente sua intenção de destruir a imagem do ex-Presidente Lula, colocando
ainda mais o público contra ele, chegando ao ápice de investir em situações sem
que haja certeza do ocorrido em meio a uma película que quer ser fiel a
história por trás da Lava Jato, podendo interferir na opinião pública, com algo
em que as dúvidas se multiplicam. Ou seja, a relação entre os delegados e ele foi moldado como se fosse de protagonistas x antagonista, e não de investigadores e investigado (sem o confronto neste ponto).
Logo, Polícia Federal – A Lei
é para Todos acaba sendo um filme sem responsabilidade por todos os lados, ironicamente
caça-níquel, metaforizando o mercenarismo, pois desnecessariamente aproveita-se
de um momento turbulento para propagar uma trama puramente política, que tem um
alvo claro, mas a perda total de controle na concepção de um objeto cinematográfico,
faz com que o trabalho e imagem de mais pessoas sejam diminuídos, o que é um
prato cheio para aqueles que irão ver o filme munidos de ideologias e com o
intuito de ter mais elementos para criminalizar o lado que rejeita.
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