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domingo, 28 de janeiro de 2018

TRÊS ANÚNCIOS PARA UM CRIME


TRÊS ANÚNCIOS PARA UM CRIME
DIREÇÃO: Martin McDonagh
ELENCO: Frances McDormand, Sam Rockwell, Woody Harrelson e Lucas Hedges


Uma jovem é brutalmente estuprada e assassinada em uma pequena cidade do estado de Missouri, nos Estados Unidos. Tal fato aumenta o espírito vingativo da mãe da garota, que passa a confrontar a polícia, que tão pouco fez e faz para solucionar o caso. Logo, fazer justiça com as próprias mãos passa a ser o afã principal dessa mulher.


Martin McDonagh é um diretor inconstante, que coloca um grande hiato entre um filme e outro, mas tem uma boa regularidade na qualidade de suas obras, que não deixam de ser surpreendentes - não por ter nelas algo chocante, e sim porque ele tem a perspicácia transformar o simples e o improvável em algo fundamental. Não à toa, ele, em 2006, ganhou o Oscar de Curta Metragem, por O Revólver de Seis Tiros, e voltou a disputar o prêmio em 2009, na categoria Roteiro Original, pela brilhante comédia Na Mira do Chefe. Este ano, ele volta, com méritos, a cair nas graças dos prêmios e da crítica, com Três Anúncios para um Crime.

O estopim para que o filme se torne interessante logo em seu prólogo é justamente fazer de simples três outdoors, localizados em uma área afastada (como o roteiro escrito pelo McDonagh prega), algo que revele em seu teor de denúncia, um drama bastante forte, capaz de mobilizar uma cidade inteira, porém dividindo certos tipos de opiniões. O desenvolvimento da história, majoritariamente em cima de um estupro seguido de assassinato, faz avançar as discussões em torno de diversas questões sociais, como o próprio feminicídio e o racismo. Acontece que as situações apresentadas pelo filme, cada vez mais multiplicadas, e com os benditos três outdoors ao fundo, levam a muitos tipos de julgamento, tanto por parte dos personagens, quanto por parte do espectador. Será que não estão indo longe demais na crucificação e vitimização de acusadores e acusados? A preocupação dos policiais em só caçar negros e a forte discussão entre mãe e filha antes do crime, aumenta a reflexão que pode ser feita em torno do filme, e talvez o que ninguém quer mesmo ser é o juiz da história.

A força da trama de Três Anúncios para um Crime, faz com que McDonagh passe a expor a dimensão da situação, a ponto de escancarar uma sociedade pró-polícia, talvez munida do senso comum de que a corporação é heroica por lutar pela segurança de uma localidade. Só que ao mesmo tempo, a julgada protagonista Mildred mostra a fragilidade de certos tipos de pensamentos, ao fazer uma sábia analogia para um padre, de que quando um membro católico é acusado ou condenado por pedofilia, toda a igreja paga por isso. Logo, é um pensamento generalizado para certos tipos de casos, em prol da absolvição; e outro pensamento para outros tipos de casos, em prol da condenação. Logo, nas palavras populares brasileiras, seria um “pau que bate em Chico, não bate em Francisco”.

O andar da carruagem do filme passa a enquadrar (somente aos olhos do espectador) a polícia, com uma aparente culpa, desde a omissão até a suposta execução criminosa do ato. Por isso, não resta outra escolha a não ser buscar se verem livres a qualquer custo daquilo que os atrapalha, e acima de tudo não perder a boa impressão que a sociedade tem dela. E nada melhor que um suicídio policial para causar uma forte comoção, que um estupro seguido de morte de uma mulher não teve. Neste tocante cabe apontar as brilhantes atuações (indicadas ao Oscar 2018, por sinal) de Sam Rockwell, com a postura mais obscura de um defensor da segurança, e de Woody Harrelson, psendo aquele soldado, que incrivelmente tem a humanidade que a justiceira protagonista cobra. Falando nela, a espetacular atuação de Frances McDormand (também indicada ao Oscar) expõe, sem economia, a carga extremamente liberal da Mildred enquanto mãe, mas ao mesmo tempo se exibe defensora de seus ideais familiares, e forte e corajosa ao mesmo tempo, apesar de ter uma brutalidade marcada em sua história de vida.

Voltando para a trama, Três Anúncios para um Crime parece por em dúvida se a trama, que aparenta estar encerrada antes da hora, ainda conseguiria ser desenvolvida. Mas aí veio o talento de Martin McDonagh, ao conceber um brilhante desfecho para um ótimo filme, ao mostrar que a revolta leva sim qualquer um a cometer atos graves, mas não compreensíveis; e quando forem buscar o tempo de reflexão e de aprender com os erros, já pode ser tarde de mais e qualquer um pode ser consumido pelo fogo (literalmente, se for o caso). Diante disso, a decisão (sentença) que muitos podem ter é fazer o que deve ser feito e deixa quieto do jeito que está, afinal, no fim da história, uma sociedade pode seguir adiante, sem saber que Roque Santeiro não é santo. Entendedores entenderão!


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