TRÊS ANÚNCIOS PARA UM CRIME
DIREÇÃO: Martin McDonagh
ELENCO: Frances McDormand, Sam Rockwell, Woody Harrelson e Lucas Hedges
Uma jovem é brutalmente
estuprada e assassinada em uma pequena cidade do estado de Missouri, nos
Estados Unidos. Tal fato aumenta o espírito vingativo da mãe da garota, que
passa a confrontar a polícia, que tão pouco fez e faz para solucionar o caso.
Logo, fazer justiça com as próprias mãos passa a ser o afã principal dessa
mulher.
Martin McDonagh é um diretor
inconstante, que coloca um grande hiato entre um filme e outro, mas tem uma boa
regularidade na qualidade de suas obras, que não deixam de ser surpreendentes - não por ter nelas algo chocante, e sim porque ele tem a perspicácia transformar
o simples e o improvável em algo fundamental. Não à toa, ele, em 2006, ganhou o
Oscar de Curta Metragem, por O Revólver de Seis Tiros, e voltou a disputar o prêmio
em 2009, na categoria Roteiro Original, pela brilhante comédia Na Mira do
Chefe. Este ano, ele volta, com méritos, a cair nas graças dos prêmios e da
crítica, com Três Anúncios para um Crime.
O estopim para que o filme se
torne interessante logo em seu prólogo é justamente fazer de simples três
outdoors, localizados em uma área afastada (como o roteiro escrito pelo
McDonagh prega), algo que revele em seu teor de denúncia, um drama bastante forte,
capaz de mobilizar uma cidade inteira, porém dividindo certos tipos de
opiniões. O desenvolvimento da história, majoritariamente em cima de um estupro
seguido de assassinato, faz avançar as discussões em torno de diversas questões
sociais, como o próprio feminicídio e o racismo. Acontece que as situações apresentadas
pelo filme, cada vez mais multiplicadas, e com os benditos três outdoors ao
fundo, levam a muitos tipos de julgamento, tanto por parte dos personagens,
quanto por parte do espectador. Será que não estão indo longe demais na
crucificação e vitimização de acusadores e acusados? A preocupação dos
policiais em só caçar negros e a forte discussão entre mãe e filha antes do
crime, aumenta a reflexão que pode ser feita em torno do filme, e talvez o que
ninguém quer mesmo ser é o juiz da história.
A força da trama de Três Anúncios
para um Crime, faz com que McDonagh passe a expor a dimensão da situação, a
ponto de escancarar uma sociedade pró-polícia, talvez munida do senso comum de
que a corporação é heroica por lutar pela segurança de uma localidade. Só que
ao mesmo tempo, a julgada protagonista Mildred mostra a fragilidade de certos
tipos de pensamentos, ao fazer uma sábia analogia para um padre, de que quando
um membro católico é acusado ou condenado por pedofilia, toda a igreja paga por
isso. Logo, é um pensamento generalizado para certos tipos de casos, em prol da
absolvição; e outro pensamento para outros tipos de casos, em prol da
condenação. Logo, nas palavras populares brasileiras, seria um “pau que bate em
Chico, não bate em Francisco”.
O andar da carruagem do filme
passa a enquadrar (somente aos olhos do espectador) a polícia, com uma aparente
culpa, desde a omissão até a suposta execução criminosa do ato. Por isso, não resta
outra escolha a não ser buscar se verem livres a qualquer custo daquilo que os
atrapalha, e acima de tudo não perder a boa impressão que a sociedade tem dela. E
nada melhor que um suicídio policial para causar uma forte comoção, que um
estupro seguido de morte de uma mulher não teve. Neste tocante cabe apontar as
brilhantes atuações (indicadas ao Oscar 2018, por sinal) de Sam Rockwell, com a
postura mais obscura de um defensor da segurança, e de Woody Harrelson, psendo
aquele soldado, que incrivelmente tem a humanidade que a justiceira
protagonista cobra. Falando nela, a espetacular atuação de Frances McDormand
(também indicada ao Oscar) expõe, sem economia, a carga extremamente liberal
da Mildred enquanto mãe, mas ao mesmo tempo se exibe defensora de seus ideais
familiares, e forte e corajosa ao mesmo tempo, apesar de ter uma brutalidade
marcada em sua história de vida.
Voltando para a trama, Três
Anúncios para um Crime parece por em dúvida se a trama, que aparenta estar
encerrada antes da hora, ainda conseguiria ser desenvolvida. Mas aí veio o
talento de Martin McDonagh, ao conceber um brilhante desfecho para um ótimo
filme, ao mostrar que a revolta leva sim qualquer um a cometer atos graves, mas
não compreensíveis; e quando forem buscar o tempo de reflexão e de aprender com os
erros, já pode ser tarde de mais e qualquer um pode ser consumido pelo fogo
(literalmente, se for o caso). Diante disso, a decisão (sentença) que muitos
podem ter é fazer o que deve ser feito e deixa quieto do jeito que está,
afinal, no fim da história, uma sociedade pode seguir adiante, sem saber que Roque
Santeiro não é santo. Entendedores entenderão!
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