VIVA - A VIDA É UMA FESTA
DIREÇÃO: Lee Unkrich
ELENCO: Gael Garcia Bernal, Benjamin Bratt e Rene Victore
Miguel é um garoto de uma
família mexicana que, por questões passadas, aboliu a música de sua vida e dos outros membros,
mesmo assim ele sonha em ser um grande músico e tem como ídolo o tradicional cantor latino Ernesto de la
Cruz. Querendo investir na carreira, ele acaba por curiosamente indo para no
mundo dos mortos. Lá, ele conhece o falecido Hector, que se propõe a ajudar
Miguel, desde que o menino o ajude a não ser esquecido por seus parentes vivos.
No tocante em que criadores de
filmes de animação têm total liberdade para ambientar suas histórias onde bem
entender, seja nos Estados Unidos, na Inglaterra ou num mundo imaginário (como
de costume), vale ressaltar quão louvável foi, nos últimos dez anos, a
indústria ter ido buscar novos países para seus filmes, promovendo os pontos
turísticos, as tradições e a cultura do local. Isso pôde ser visto em
Ratatouille, Kung Fu Panda e em Rio, por exemplo. Desta vez, a Pixar desbrava o
México, mais famoso vizinho latino dos americanos, e que tem sido bem defendido no
último ano, diante da embaraçosa atualidade vivida na América.
Viva – A Vida é uma Festa,
dirigido por Lee Unkrich (que também dirigiu Toy Story 3) concebe com bastante
fidelidade um México suburbano, com a população tendo sua fisionomia que nos
remete aos antepassados maias e astecas, bem diferente do que as novelas
exibidas no Brasil exibem, mas ao tempo, nota-se, por parte dele, bastante apego às questões
artísticas e aos festivais culturais que a terra do Chaves e do Chapolin
realiza corriqueiramente, brotando um ar de “povo feliz” em todas as
circunstâncias para o mexicano. Sem se impor nenhum tipo de censura por se
tratar de um filme infantil, Unkrich investe na questão da morte (isso, da morte!), encarada ali de
maneira tão diferente dos demais países do mundo. Segundo uma matéria escrita
por Rafaella Panceri, para o Correio Braziliense, datada de 30 de outubro de
2016: “No México, a morte tem significado único. Em vez de lamentada, é
festejada uma vez ao ano — de 31 de outubro a 2 de novembro (Dia de Finados no
Brasil). Durante a festa, considerada pela Unesco como patrimônio da
humanidade, é tradição reunir família e amigos para comemorar a visita dos
antepassados à Terra. Se, no Brasil, a data é sinônimo de cemitérios lotados e melancolia,
no México a animação toma conta, pois se acredita que os mortos devem ser
recebidos com alegria e coisas de que gostavam enquanto vivos. A famosa caveira
mexicana (La Catrina), altares coloridos, fantasias, comidas e bebidas típicas
mudam a cara de várias cidades do país. A atmosfera é fúnebre, mas promete
estimular até os mais desanimados”.
Sendo assim, no culto ao
lendário e fictício músico Ernesto de la Cruz, não surpreende que tal idolatria
não caiba somente a Miguel, mas a toda a população da cidade; e assim, na
tentativa do garoto de buscar a personalidade própria, driblando sua família
avessa a música, não surpreende que foi buscando a intercessão de seu ídolo, que
ele foi buscar os instrumentos (literalmente falando) suficientes para que o povo
conhecesse seu talento musical. A surpreendente passagem para o reino dos
mortos, mostra que o roteiro escrito pelo próprio diretor, em parceria com
Adrian Molina (que também co-dirige a obra), Jason Katz e Matthew Katz, superou os níveis de criatividade ao
criar um local como um mundo qualquer, com as mesmas estruturas, características e desigualdades, mas onde
todos corriam o risco de passar por uma nova morte, caso fossem esquecidos pelos
entes da terra. Neste ponto, cabe apontar fatores interessantes, como o encontro de mortos comuns com figuras ilustres, como a lendária pintora Frida Khalo, e o reencontro com seus
familiares falecidos, sendo prontamente reconhecido por eles, mesmo que em vida, não
tenham se conhecido, citando a relação de Miguel com a sua tataravó.
E nesta situação de querer entender
o porquê da música ser proibida em seu lar, o menino, com base em imagens, seguindo a linha de raciocínio lógica que aparentemente o filme tinha, é
levado a crer que seu tataravô é o ídolo Ernesto de la Cruz e aí parte em busca
do mesmo, como forma de ter a sua bênção para voltar ao mundo dos vivos e ser
um grande cantor. Assim, surge a parceria com o (a princípio) somente adorável vagabundo
Hector, que mais parece ser um simples “fiel escudeiro” de uma jornada, como
existem em muitas animações. Mal sabíamos nós, pobres cinéfilos, que as surpresas
estavam só chegando. O esperado encontro, que resultou num relacionamento entre Miguel e Ernesto era de um regozijo
profundo, mas só que ali teve início uma extraordinária virada na trama, onde
verdades secretas vieram à tona, arestas abertas e imperceptíveis foram
fechadas e fora determinado quão fundamental cada personagem era, sendo ele do menor para
o maior. Ninguém ali estava pelo simples acaso. Logo, torna-se
impressionante para os olhos de quem vê, a coragem de Lee Unkrich de trabalhar
uma trama em cima de um forte assassinato, não poupando o poderio vilanesco do
antagonista, tornando Viva – A Vida é uma Festa uma forte e digna história de
gente grande, mesmo sendo ela teoricamente infantil e que em momento algum perde a sua essência diante de um público
majoritariamente formado por crianças.
O decorrer da trama exibe uma
mescla de aventura, ação e torcida pela esperteza dos protagonistas que resultaram
num forte senso de justiça sendo executado, mas além disso ficam marcadas na mente, as fortes
doses de emoção incutidas num ato que exibia uma luta pela sobrevivência (mesmo
no mundo dos mortos), pela verdade absoluta, pelo perdão, pelo recomeço, e,
acima de tudo, aproveitando o caráter didático que uma obra como essa pode ter,
ensina que, mesmo que tenham havidos sentenças exageradas, uma criança sempre
tem que buscar ouvir os mais velhos e valorizar a família que de fato o
valoriza e constrói o que há de melhor num lar, além de que, perto ou longe, no plano físico ou espiritual, sempre haverá alguém que estar olhando para você.
Mais do que nunca, sendo capaz
de arrancar lágrimas do espectador, assim como fez em Toy Story 3, Lee Unkrich
mostra para a indústria cinematográfica que também é capaz de ser destemido e
ousado, fazendo uma ode a um país e seus costumes, abusando de uma originalidade em cima de todo e qualquer tipo de sentimento que possa haver num filme; e assim ver sendo
mais enaltecido o seu nome entre os grandes cineastas da toda poderosa Pixar.
Sem nenhum exagero, Viva – A Vida é uma Festa pode ser com todos os méritos, considerada
a melhor animação da década.
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