EU, TONYA
DIREÇÃO: Craig Gillespie
ELENCO: Margot Robbie, Allison Janney e Sebastian Stan
Tonya Harding foi uma patinadora
de gelo, que teve uma infância pobre e sem estudos, e que viveu seu auge no
esporte, no início da década de 1990. Às vésperas do Jogos Olímpicos de
Inverno de 1994, que seriam realizados na Noruega, ao mesmo tempo em que buscava
classificação para a disputa, viu seu nome envolvido em um escândalo capaz de
destruir a sua carreira.
Nada mais oportuno,
principalmente para nós brasileiros, testemunharmos a versão cinematográfica de
uma figura do esporte de gelo, logo faltando poucos dias para a abertura das Olimpíadas de
Inverno, que neste ano de 2018 serão realizadas na Coreia do Sul. Ver um caso como
esse ganhando a atenção mundial é interessante, visto que os esportes de verão
são bem mais populares no mundo. É aí que notamos que fatos obscuros também
rondam outras competições, por mais impopulares que elas sejam. Ainda bem que o
cinema não falhou ao retratar o escândalo deste filme aqui avaliado. Bem vindos
a Eu, Tonya.
Em tom documental,
depoimentos de vários personagens, incluindo a própria Tonya, dão o tom ao início
do filme, construindo uma suspeição em torno de todos, dando ares de thriller
policial à obra, mas sem querer entrar em detalhes, já que almeja-se surpreender quem não está a
par dessa história real. Acontece que Eu, Tonya, dirigido pelo pouco relevado
cineasta australiano Craig Gillespie, parece ter uma peninha da protagonista, e
faz questão de retornar aos primórdios dela, antes de investir em um único
fato. O detalhe é que a situação em nada ajuda para fortalecer a empatia da
loura para/com o público, visto que ela, desde criança, mesmo tendo a sua
família atiçando os seus dons, não fazia a menor questão de ser uma moça
simpática e não vivia para fazer amigos.
Curiosamente, a trama,
roteirizada por Steven Rogers (mais habituado a romances), após construir uma personalidade à patinadora, adentra, a princípio, a um universo
cômico, nas voltas que o mundo dá, ao ver as ironias da vida acontecendo com uma mulher de coração de
pedra. Ela chega a se apaixonar, mas descobre o amor da maneira que não queria.
Seu casamento foi um divisor de águas, onde ela é agora uma mulher com obrigação de amadurecer, mas que passa a ser
vítima de violência doméstica, mostrando-se sofredora e, ao mesmo tempo, culpada. É
aí que Eu, Tonya consegue a eficácia de propagar uma mensagem de defesa, onde nenhuma
mulher merece apanhar do marido, independente de qualquer coisa; mas ao mesmo
tempo, a história a guia para situações onde o vilanismo cabe a ela, ou seja, ficar
com pena da Tonya durante as agressões é válido, mas para outras circunstâncias da vida, vale elucidar que de santa
ela não tinha/tem nada.
Para alguns pontos, o
filme faz questão de enfatizar que os devaneios da atleta têm uma justificativa:
a sua busca obsessiva pela glória no esporte, que nesse afã pela perfeição, nos
lembra a Nina, espetacularmente vivida por Natalie Portman em Cisne Negro. A
diferença é que no balé, sempre há espaço para muitos no palco, mas no alto do
pódio olímpico da patinação, só sobe um. O drama de Tonya torna-se mais
chamativo, a ponto de até as lâminas dos patins assumirem o antagonismo da
trama. Mesmo sendo ela a mulher que Eu, Tonya não se censurou em exibir, chega
um ponto em que ninguém torce esportivamente contra ela, e sua força de vontade para recomeçar
é admirável.
Bem editado (o que resultou
em uma indicação ao Oscar 2018 de Montagem), a obra soube casar os altos e baixos
na vida pessoal e profissional de Tonya, com o escândalo na seletiva para as
Olimpíadas de Inverno de 1994. Os depoimentos do prólogo do filme são
reinseridos na película, e mesclado a eles, finalmente o espectador se depara
com o ato criminoso, que acaba por ser o ponto forte de Eu, Tonya, e que eu
prefiro não cita-lo diretamente, em respeito pelo os que querem assistir ao
filme, que passa, em seus derradeiros momentos, a vender o desespero da
patinadora e de seu marido em salvar uma reputação, que jamais chegara a ser
totalmente bem quista. A conta enfim chegou e não restou a Tonya outra escolha
a não ser fazer sua última apresentação, onde quem viu, fez isso com mais
curiosidade pela mulher e não por aquilo que ela poderia exibir no gelo.
No papel da protagonista,
Margot Robbie (indicada ao Oscar 2018 de Melhor Atriz por este filme) autentica
todo o seu potencial na atuação, que muitos sempre souberam que ela tinha
capacidade, mesmo com performances menores em outrora. Vale lembrar que ela estourou
em Hollywood, em 2013, com O Lobo de Wall Street, onde contracena com Leonardo
DiCaprio, e hoje ela curiosamente apresenta características dele, como não deixar
ser levada pela fama de símbolo sexual, nem se seduzir ao extremo por trabalhos meramente comerciais,
construindo uma brilhante carreira em projetos sérios, que só engrandecem a admirável
profissional e mostra na indústria cinematográfica o que é realmente valorizar
acima de tudo a arte, enquanto membro dela.
Se não bastasse
aplaudirmos a excelente Margot, Eu, Tonya ainda apresenta uma espetacular atuação
de Allison Janney (indicada ao Oscar 2018 de Melhor Atriz Coadjuvante por este
filme, sendo a favorita), que ultrapassa todos os limites da falta de pudor de
uma mãe violenta e capaz de trair a própria filha, sendo um perfeito retrato de
uma malevolência reservada, mas com um grandioso grau de periculosidade, fazendo
dessa mulher, a verdadeira pessoa que opera todo dia, sem anestesiar a vítima.
Alternando nas doses de
humor, suspense e drama, Eu, Tonya é uma forte cinebiografia que soube explorar
cada momento, sabendo o impacto certo que cada ato teria no espectador. No
geral, não sabemos se aplaudimos ou repudiamos Tonya, mas os créditos finais da
obra fizeram questão de informar como estão atualmente os envolvidos nessa trama,
mais de 20 anos depois. O mais sensato é admitirmos que todos já pagaram pelo o
que fizeram, e o ato de cada um seguir sua vida de uma outra maneira, é benéfico
para todos, ligados direta ou indiretamente a Eu, Tonya.
0 comentários:
Postar um comentário