O
PROCESSO
DIREÇÃO:
Maria Augusta Ramos
O impeachment da Presidenta
Dilma Rousseff foi o mais turbulento momento de uma forte crise política
nacional, que não mostra sinais de cessão. E como em todo fato histórico, há
uma grande curiosidade sobre como estavam os bastidores de todo esse período, e
é justamente isto que esse filme traz à tona.
Em outubro de 2014, Dilma
Rousseff foi reeleita Presidenta do Brasil, ao derrotar o senador mineiro Aécio
Neves por uma diferença mínima para os padrões nacionais. Tal fato dividiu o país,
politicamente falando, e escândalos de corrupção envolvendo diversos membros do
governo reeleito, desencadeou diversas manifestações Brasil afora, que, cada vez
mais, ganhavam mais adeptos, e a ideia de um novo impeachment no executivo
federal passava a ter mais força. No final de 2015, o então Presidente da Câmara
Eduardo Cunha, denunciado na Operação Lava Jato, dá início ao processo de
impedimento, acusando a então Presidenta de ter cometido pedaladas fiscais e edição
de decretos sem a aprovação do Congresso.
Despindo-se dos mais
tradicionais esquemas de construção de um documentário, a cineasta brasiliense
Maria Augusta Ramos, investe nas mais fortes cenas que marcaram esse período e
as mescla com aquilo que a nação brasileira não teve acesso, independente de
lado. A turbulência da situação e o temor são dois fatores que mais chamam a
atenção, para um momento que, mesmo almejado pela maioria dos brasileiros,
ainda não conseguiu, dois anos depois, pôr fim ao caos político nacional.
Um silencioso sobrevoo na Esplanada
dos Ministérios é um retrato de uma população ciente de um momento que seria
vergonhoso independente de resultado; enquanto dentro do Câmara dos Deputados,
os parlamentares partiam para agressões físicas ao estilo asiático, para depois
ecoarem gritos de “Não vai ter golpe”, “Fora Dilma”, “Voto pela família”, “Voto
pela democracia”, “Em memória do Coronel Ustra”, “Pelos militares de 64”, “Cunha,
o senhor é um gângster”.
Explorando o dia seguinte a
cada episódio polêmico em Brasília, O Processo traz uma faceta política que se pergunta:
“O que está acontecendo? O que estamos fazendo?”. Não há como dar respostas, o
negócio é ir para a guerra. E diante de imagens já conhecidas, o filme migra
para dentro dos gabinetes dos senadores Gleisi Hoffmann e Lindbergh Farias, que
sendo os dois mais poderosos petistas no maior órgão legislativo federal, se preparavam para as batalhas,
nas quais eles mesmo admitiam que era um jogo de cartas marcadas, criado em
cima de uma base que uma parte garantia ser jurídica, outra parte negava, e
um terceiro grupo via muita desproporcionalidade entre acusação e punição.
Focalizando o outro lado da
situação, mesmo sabendo que o pedido de impeachment era assinado por três juristas,
Maria Augusta Ramos acompanha a ideia de que Janaína Paschoal foi o centro das
atenções desse processo, e a molda como uma verdadeira e questionável popstar,
que fora das audiências, posava para fotos e dava entrevistas sobre diversos
assuntos. Curiosamente, no tocante que Eduardo Cunha parecia ser a pessoa que
carregaria o bônus da situação, restou a ele ser uma espécie de “boi de piranha”,
devorado pela forte arcada dentária da república de Curitiba.
Mesmo tendo dado total
destaque a cada segundo daqueles turbulentos meses, houve momentos em que a
imprensa era sim jogada para escanteio, sem poder presenciar reuniões estratégicas
que pareciam discutir novos nortes para a situação, visto que o então
Presidente em exercício Michel Temer não conseguia atingir a mínima popularidade
possível, derrubada ainda mais pelo áudio do seu braço-direito Romero Jucá, que
indicava o impeachment como um grande acordo nacional, com o Supremo, com
tudo, para estancar uma sangria, que nada mais era que a morte anunciada de muitos
políticos não-petistas, que se viam encrencados com a Lava Jato.
Enquanto isso, O Processo
migra para a rotina, em pouco mais de três meses, da Presidenta afastada no Palácio
da Alvorada, recebendo jornalistas do mundo inteiro, esbanjando força e
resistência, e mostrando um lado poliglota que poucos sabiam existir. Nos bastidores
disso, o senado petista realizava a autocrítica necessária, mas que todos se
negavam a fazer em público; e, aliado a isso, a ciência de que, mesmo que Dilma
escapasse da cassação, ela já não tinha mais força no Congresso, que
sustentasse a sua governabilidade.
Ânimos cada vez mais a flor da
pele. Nem parecia ser o Senado mais pacífico que a Câmara, que todos os
brasileiros conhecem. Não há mais como fugir! 61 senadores aprovam o
impeachment de Dilma, mas a maioria lhe nega a perda dos direitos políticos. A
confirmação de algo que já era uma realidade desde quando a tão difícil
reeleição veio.
O Processo escancara com
primor, utilizando apenas imagens, testemunhando os diálogos e abrindo mão de
depoimentos de ambos os lados, que o problema é bem maior. Um sopro de paz não
atingiu o coração de ninguém. Dalton Trumbo dizia que no McCarthysmo americano,
todos eram vítimas. Talvez, na triste atual composição política nacional, o
fato pode ser justamente o contrário: todos são culpados. Mesmo com os riscos,
deixar pra trás e seguir em frente pode ser menos pior para todos.




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