BOHEMIAN
RHAPSODY
DIREÇÃO:
Bryan Singer e Dexter Fletcher
ELENCO: Rami Malek,
Aidan Gillen e Mike Meyers
Dono de diversos estereótipos,
Freddie Mercury foi um cantor que quebrou paradigmas e conseguiu se firmar como
um dos maiores artistas do planeta. O filme conta a trajetória do astro, da
juventude até os seus últimos momentos de vida, além das glórias e dos dramas
que a fama mundial lhe trouxe.
Um simples resumo na Wikipédia
(sim, na Wikipédia) diz o seguinte: “Freddie Mercury, nome artístico de Farrokh
Bulsara, foi um cantor, pianista e compositor britânico que ficou mundialmente
famoso como fundador e vocalista da banda de rock Queen, que ele integrou de
1970 até o ano de sua morte”. Uma pessoa de grande peso para a história da
indústria fonográfica, e que há tempo o cinema se perguntava quando sua
biografia seria levada às telonas. Um trabalho nada fácil, assim como o de
fazer qualquer outro filme, mas para Bohemian Rhapsody, os percalços não foram
nada econômicos.
Sacha Baron Cohen (intérprete
do Borat) foi o primeiro escalado a interpretar o cantor, mas desistiu do
projeto por achar o filme comportado demais. As gravações já tinham sido
iniciadas, quando Bryan Singer foi demitido da direção, devido a diversos
conflitos, que geraram até agressões físicas, inclusive contra o novo
protagonista Rami Malek. Isso são só dois exemplos sobre um filme que sempre me
perguntei se iria dar certo, e o que se observava é que a produção chegou num
momento em que pensou: “começamos, então vamos terminar”. Boas expectativas de
minha parte não existiam, mas eu sou apenas um diante de uma legião de milhões
de fãs de Freddie Mercury, que esperavam uma linda apoteose cinematográfica.
Concluído sob a direção de Dexter
Fletcher, e roteirizado por Anthony McCarten e Peter Morgan (dois especialistas
em cinebiografias, com indicações ao Oscar), Bohemian Rhapsody não demora a se
propor como uma obra convencional, onde seu prólogo é uma viagem pelas caras do
Reino Unido da década de 1980: o próprio Freddie, as ruas de Londres, o
lendário estádio de Wembley, o Príncipe Charles e a Princesa Diana. Ciente das
curiosidades presentes na mente de um espectador, o filme sabe que os
bastidores são tão surreais quanto a vida pública do músico, e a maneira como
técnicos de som lhe enxergavam com profunda admiração, mostrava que o lado de
trás do palco era o seu verdadeiro altar.
Fiel, até certo ponto, a uma
ordem cronológica, Bohemian Rhapsody lembra a determinação de Freddie pelo
sucesso e o coloca como um mais novo membro dos artistas que “chegaram lá” por
estarem no lugar certo e na hora certa, mas ao mesmo tempo indicando que o
líder do Queen nunca perdeu a persistência, e tinha personalidade suficiente para
enfrentar imposições familiares que cultivavam dogmas providos de Zanzibar (sua
terra-natal) e não se intimidava em cada projeto que adentrava, capaz de ser um
membro super exigente, mesmo tendo sido o último a adentrar à sua banda.
Para uma Inglaterra que vivia
sob o comando conservador da dama de ferro Margareth Thatcher, Freddie era uma mais
forte exceção à regra, onde sua extravagância era o seu jeito de impactar,
tornando o seu grupo uma trupe de desajustados que não encaixavam e fizeram um grande
sucesso no mundo inteiro, principalmente porque ali não existia nada igual. Nem
toda banda era o Queen, e a autoconfiança de Freddie foi fundamental para isso.
Sem deixar de ecoar a
influência dos Estados Unidos como fator determinante no sucesso de um artista, mesmo
que Freddie, assim como Elton John, David Bowie e os Beatles, fossem(são)
ingleses muitos patriotas, Bohemian Rhapsody trata uma turnê nos Estados Unidos
como o ápice da carreira do Queen, tanto que o filme, em toda a sua duração,
cita mais cidades americanas do que inglesas. Interpretem como quiserem, assim
como Freddie recomendou aos fãs que queriam saber o que significava a letra da
canção que dá nome ao filme.
Na parte emotiva da obra,
faz-se justo admitir o quão Bohemian Rhapsody foi benéfico para a imagem de
Mary Austin, a esposa de Freddie Mercury, que é uma mulher que até divide
opiniões e muitos apontam que nem a família do cantor se dá bem com ela.
Homenageada pelo músico com a música “Love of my Life” (que teve até a sua
histórica interpretação no Rock In Rio 1985 retratada pelo filme), a inglesa de
origem humilde se mostra uma verdadeira guerreira, que conhecia Freddie de um
jeito que ninguém conhecia, e não o abandonou, mesmo o filme o propagando como um
mau marido, e ainda por cima adúltero. A confiança dela nele foi determinante
para que as coisas dessem certo, mesmo quando tudo conspirava contra.
Mas mesmo com uma forte biografia, há de se convir que o filme é mediano e por oras decepcionante. Não confundam a força de uma história com a maneira que um audiovisual a estrutura. Bem econômico no jeito de
focalizar determinados momentos, até mesmo porque alterou realidades e tinha um
princípio de ser um filme bem comportado e respeitoso com as famílias (o que é
um absurdo, por sinal), Bohemian Rhapsody fez com que as coisas
acontecessem rápidas demais, como a bissexualidade de Freddie, o surgimento das
canções, seu maior envolvimento com álcool e drogas, a descoberta da AIDS, as
traições sofridas e seu retorno ao convívio familiar – tais fatos são um
retrato do que o filme estava disposto a ser, até chegar em seus vinte minutos
finais. Foi aí que pretensiosamente, a obra se volta ao espetáculo Live AID (um
marco na história britânica) e todo o drama que quase tirou o Queen do show,
para na hora, o filme, com direito a uma arrepiante passagem aérea sobre um
público de mais de 100 mil pessoas concebidas de maneira digital, monta de
maneira forte e emocionante a íntegra da apresentação de Freddie Mercury, onde
o público (inclusive eu, não nego) acaba tendo a mesma reação que Mary Austin
teve, após o "We Are The Champions".
É uma pena que Bohemian
Rhapsody só tenha tido o seu ápice no final, quando o resto do filmes foi
puramente convencional, sem sentimentos, apesar da impressionante atuação de
Rami Malek (cotado ao Oscar 2019 por este filme). Agora já foi! Freddie Mercury
já tem o filme de sua vida, condenado a um esquecimento rápido, mas uma coisa é
fato: mesmo que fosse uma obra-prima, ainda assim seria menor que o cantor, que
consegue ser gigante diante de qualquer homenagem que outrem quer lhe prestar.
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