Ads 468x60px

.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

NO PORTAL DA ETERNIDADE


NO PORTAL DA ETERNIDADE
DIREÇÃO: Julian Schnabel
ELENCO: Willem Dafoe, Oscar Isaac e Rupert Friend


O século XIX já estava em seus derradeiros momentos, quando o aclamado pintor Van Gogh vivia uma fase de ostracismo, em que foi obrigado a voltar a consultar o seu grande amigo Paul Gauguin, na França, a fim de declinar da desagradável situação. Sofrendo de depressão, ele adentra a uma nova fase perturbadora de sua vida, que era a antítese do momento mais celebrado de sua carreira.


Um dos maiores holandeses de todos os tempos, Vincent Van Gogh marcou história nas artes plásticas, ao ser autor de milhares de trabalhos na área, com destaque a inúmeras obras pintadas a óleo, feitas em seus últimos anos de vida. Com todos os méritos, ele é mais uma grande e digna figura a ganhar uma cinebiografia, engrandecida pela excelente escolha e pelo digno trabalho de seu intérprete.

Construído com elementos que querem propor emoção ao espectador, No Portal da Eternidade enfatiza um ser que queria ser um “deles” e acabou tornando-se superior a todos. Um sujeito com o caminhar trêmulo, assim como o movimentar das câmeras em seu prólogo, ele estava apto a encontrar a arte em qualquer lugar, arte essa capaz de despertar nele o ciúme suficiente que todo criador tem de sua criação, ao vê-la rejeitada de maneira injusta em galerias que já desconheciam o que de fato almejava na exposição de expressões artísticas.

Despido de delongas, mas sem prejudicar o enredo, o filme é preciso na criação da biografia, ao buscar retratar com leveza e perfeição os bons momentos da vida, que figuram como os fundamentais na trajetória de quem nasceu para ter um sucesso gigantesco. Assim, na inserção de Paul Gauguin, ecoa-se a ideia que basta a pessoa certa te observar, para que seja anulado aquilo que te despreza. Em diálogos onde o close certeiro no rosto dos personagens fica mais em evidência do que a direção de arte, No Portal da Eternidade passa indiretamente a dizer: “focalizem bem esse rosto, pois ele ainda vai dar o que falar”. E assim, a câmera se mexe tal qual o seu mundo, num tormento que dá sequência, num silêncio pessoal, a um trabalho que tem chance de prosperar, livrando-o da falta de acalanto.

Solitário, Van Gogh tem a natureza como a sua melhor companheira. Ela é de fato a sua maior paz, responsável por lhe tirar um raro sorriso. Dotado de uma trajetória diferente, o pintor é retratado no filme sem inserções em grandes sociedades, construindo o seu poderio em minúcias, ao som de uma linda e melancólica trilha sonora da desconhecida Tatiana Lisovkaia, que a compôs nos mais perfeitos tons, para cada cena do longa.

Dirigido por Julian Schnabel (de O Escafandro e a Borboleta), No Portal da Eternidade tem esse nome devido aquilo que Van Gogh enxerga numa paisagem clássica, onde a liberdade mostra-se tão prazerosa quanto a vida por si só. Pena que, com fidelidade a biografia, o diretor mostra que a pureza, não presente só na resposta, mas como também na pergunta das crianças, pode ser sim capaz de revoltar, a ponto de fazer uma mente frágil não aguentar a falta de perspicácia de outrem. Assim, mesmo que serenamente, o diretor, que co-roteirizou o filme ao lado da estreante Louise Kugelberg e do vencedor do Oscar Jean-Claude Carrière, mostra quão difícil é lidar com seus dramas, e que toda ajuda deve ser bem vinda para um ser humano se reerguer e dar início a um novo tempo. Com Van Gogh não seria diferente.

Empolgante, chegando ao ápice de fazer uma linda homenagem a todos os grandes pintores da história, o filme resume-se a propagar um cinebiografado que exerce o seu trabalho de maneira clara (em todos os sentidos), capaz de ser reluzente inclusive quando a fotografia de Benoît Delhomme escurece a cena. Mas para uma vida amíngua, se afastar da única pessoa a quem tinha confiança transforma-se num verdadeiro fim do mundo. Cria-se um espírito ameaçador ao seu redor, que resulta numa assustadora visão da realidade, que, mesmo lindamente colorida, conclui-se numa morte reconstruída por No Portal da Eternidade de um modo tão surreal quanto se deu de verdade.

Eis um filme que, apesar de tão pouco badalado na temporada de premiações, fez uma ode necessária ao pintor holandês, para no mínimo despertar nos não-idólatras a necessidade de preservar e enaltecer a vida e a obra do artista. E tal fato ganha força quando colocamos na cabeça que Van Gogh foi interpretado de maneira tão arrepiante por Willem Dafoe, que embarca com perfeição principalmente na agonia do personagem, sem perder a força nos momentos em que se respirava o ar da tranquilidade almejada. Assim, multiplicam-se os aplausos para a pessoa que conduz a história e para quem teve a capacidade de estruturar a verdadeira cinebiografia, que é um regozijo para quem valoriza a sétima arte.


0 comentários: