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domingo, 30 de junho de 2019

DEMOCRACIA EM VERTIGEM



DEMOCRACIA EM VERTIGEM
DIREÇÃO: Petra Costa
ELENCO: Dilma Roussef, Lula, Michel Temer e Jair Bolsonaro


Em 27 de outubro de 2002, Luis Inácio Lula da Silva é eleito Presidente da República, para executar o que, para muitos, foi o melhor governo da história do país. Com 87% de aprovação, consegue a sua reeleição, além de eleger e reeleger a sua sucessora Dilma Roussef. Em mais de 10 anos, a descoberta do Pré-Sal foi um dos maiores ganhos do país, mas pouco imagináva-se que isso seria o pontapé inicial para a derrubada de um partido, que muitos apostavam que jamais sairia do poder.


Nascida em Belo Horizonte, a cineasta Petra Costa é um dos grandes talentos da nova geração do cinema nacional e, apesar de tão pouca idade, já foi aceita como membro da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Influenciada principalmente por diretores europeus, a mesma não foge de questões sociais, e em Democracia em Vertigem, mistura tal tema com política e toques autorais, pois mostra ter o dom de se mesclar com cada ponto, inclusive polêmico, desse documentário, aclamadíssimo mundo afora, mas que, no Brasil, sem nenhuma surpresa, divide opiniões.

De dentro do carro, uma pessoa observa a dificuldade que o veículo tem em movimentar-se, por conta dos inúmeros fotógrafos que tentam a melhor das imagens. Quem é essa pessoa? Francamente, isso não importa, pois o que se sabe muito bem é que é alguém que não está no melhor dos seus dias e carrega, mesmo que minimamente, a responsabilidade pelo caos em que o país se tornou. Lula é condenado a prisão, e uma porção de militantes se aglomera em São Bernardo do Campo, dispostos a ir para a luta e até impedir a detenção do petista, que, a cada encontro individual, repreende seja quem for. Não quer choro! De um outro lado, um grupo, que não é pequeno, comemora bastante, mostrando que o motivo de tristeza para uns, é de pura de alegria para outros. Enquanto isso, a imagem de um Palácio da Alvorada vazio diz muito sobre algo que vivemos há anos. Um moradia incólume, pois quem ali vive, desde o início desta década, tem sido incapaz de recuperar a nação.  Afinal, temos ou não temos um presidente, um líder, um gestor? A própria Dilma, dentre as suas pérolas, certa vez disse: "Não acho que quem ganhar ou quem perder, nem quem ganhar nem perder, vai ganhar ou perder. Vai todo perder!". Uma frase até então sem sentido, mas que hoje faz todo sentido. Nossa democracia mais parece um sonho efêmero.

Sempre com a câmera na hora certa e no lugar certo, Petra Costa se põe no documentário para ser apenas uma amostra de que nossa vida não é tão paralela a de muitos, o quanto pensamos. Direta e/ou indiretamente, somos e estamos bem mais ligados à política, e observando as pessoas de nosso convívio, temos a certeza de como estaríamos em cada época do Brasil República - talvez um regime que ainda não funcionou, desde 1889, e que nos escancara que a ameaça está bem mais próxima do que imaginamos. Crítico ao extremo, Democracia em Vertigem lembra que, em quase 520 anos, o Brasil ainda não teve a sua reforma ética de um sistema político que enoja a muitos, e que quando imaginamos que poderia ter a sua devida mudança, mostrou-se tão velho oligarquicamente, repetindo as práticas criticadas em outrora. Mas é aí que chegamos a questão: até que ponto temos que relevar erros e crimes, diante de uma realidade em que a fome é praticamente erradicada, o desemprego atinge seus menores índices da história, negros e homossexuais são mais inclusos na sociedade, e o país não é atingido por uma grave crise econômica que assustou as grande potências?! Quem vai responder: você ou a vida?

Filmada pelas costas, Dilma Roussef adentra um imóvel. Parecia uma metáfora de sua chegada ao poder: uma mulher que longe estava na criação do PT, modestamente era envolvida no levantar de bandeiras partidárias em seu trabalho em órgãos públicos do Rio Grande do Sul, que só veio a conhecer Lula poucos meses antes dele assumir a Presidência, e com a queda de ministros de peso, pulou de uma ministra qualquer ao alto escalão federal, tornando-se assim a primeira mulher Presidente da República. Lula chegou lá! Ela também! Firme nos melhores enquadramentos para Democracia em Vertigem, casando passado e presente, Petra Costa prova o tão dito diferencial de Dilma, perante qualquer outro político: a cabeça sempre erguida. Incrementando os flashbacks, a diretora aumenta nossa identidade com a política, ao mesmo tempo que revela fatos que ajudam a justificar certos atos do Brasil do século XXI: Lula sempre fez política de fato consumado e Dilma perdeu na democracia aquilo que lutou para ter na ditadura: liberdade.

Mesmo capaz de fazer justas defesas, Democracia em Vertigem adverte que o entusiasmo político, seja por quem for, pode nos deixar cegos. Munido até de mensagens subliminares, o documentário sobrevoa a Brasília que estava em construção na década de 1950, o que vai de encontro com uma piada que guias turísticos paulistanos fazem com a estátua de Pedro Álvares Cabral com os braços erguidos ao alto, no Parque do Ibirapuera. Segundo eles, o português claramente se pergunta: "Meu Deus, o que foi que eu fiz?". Talvez os candangos também se perguntavam: "Isso aqui vai dar certo?". Até agora não deu! A própria Petra afirma: "O povo foi isolado do poder. Eis um sistema de interesses perpétuos e intactos".

Apelando positivamente para o didatismo, Democracia em Vertigem mostra a pura realidade da relação entre o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional. Ou você agrada deputados e senadores ou você está fora. Dilma não usufruiu do poder que tinha sobre o Ministério da Justiça e, consequentemente, sobre a Polícia Federal, e foi punida justamente pelos "juízes parlamentaristas" nos quais ela não ajudou. Assim, com o apoio da mídia, a Operação Lava Jato se tornou o maior thriller policial de nossa história, e com closes precisos, em meio a espamos e arrepios do espectador, forças ocultas despertaram, mas o final dessa história ainda é capaz de surpreender a todos.

Diversas capas de revistas mostram o declínio. Fatos conhecidos e desconhecidos vêm à tona, imagens inéditas impressionam e ambos os lados vivem uma gigantesca espetacularização. Com um olhar exclusivo dos fatos, Democracia em Vertigem mostra que a nomeação de Lula para o Ministério da Casa Civil e sua condução coercitiva, sacramentaram a divisão de um país em duas partes irreconciliáveis. Em meio a firmezas e contradições, na política, o fazer para si ou fazer para outros, derruba nomes e faz com que outros surjam. 

Petra Costa não ocultou a apoteose, nem o afogar de mágoas de muitos, mas foi pega de surpresa por um Intercept, que poderia melhor enriquecer o seu Democracia em Vertigem. Reflexões sobre quão bem avaliamos os atos e quão fomos ingênuos são inevitáveis, mas ressalta-se que o homem político não tem moral para nos julgar. Deixemos que o tempo faça esse serviço! A jovem cineasta, destemida, consegue impactar com um documentário corajoso, quando nossas crises política, econômica e social ainda não apresentam a possibilidade de cessarem, e compartilha com o mundo detalhes mais que necessários de um problema bem maior que a ponta do iceberg, que nos faz pular no bote de nossos piores defeitos, com o intuito de que algo, por menor que seja, dê certo.

  

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