ERA UMA VEZ UM SONHO
DIREÇÃO: Ron Howard
ELENCO: Amy Adams, Glenn Close, Gabriel Basso e Freida Pinto
Almejando fugir das situações de vida precária, a família Vance decide se mudar para o estado de Ohio. Com o passar do tempo e com JD tornando-se adulto e entrando na faculdade, ele consegue ver o mundo da maneira mais racional possível e nota que o combate ao racismo e ao preconceito contra pobres e alcoólatras está cada vez mais utópico.
O cinéfilo que vos escreve acredita que crítica e senso comum não são grandes parceiros, até mesmo quando você ratifica aquilo que a maioria aponta. Em 2019, no programa Popstar, da Rede Globo, o ator Tony Tornado provocou polêmica ao dizer que é impossível alguém cantar pior que Chico Buarque. Não cabe aqui eu dizer se concordo ou não, mas salve a coragem dele em apontar algo que não considera ser uma qualidade de um dos maiores baluartes da música popular brasileira.
Seguindo essa linha, acredito que, no cinema, ninguém também deve se censurar em dizer certas coisas de pessoas que são verdadeiros fenômenos. Particularmente, não entendo o fanatismo por atores como Will Smith, Adam Sandler e Eddie Murphy. Não seriam Angelina Jolie e Tom Cruise mais famosos do que talentosos? Sobre Steven Spielberg, cineasta mais cultuado do mundo, seria exagero dizer que, desde o início do século XXI, ele só fez um filme bom: Jogador nº1?! George Lucas e Francis Ford Coppola, responsáveis por Guerra nas Estrelas e O Poderoso Chefão (respectivamente), não seriam dois cineastas que vivem do passado?! Não teria Meryl Streep recebido inúmeras indicações, no mínimo, desnecessárias ao Oscar? Quanto a Martin Scorsese, abstenho-me de falar sobre o amor todo que muitos nutrem por ele.
Mas o que eu quero dizer com isso? Simples, talvez não estejamos dando ibope demais para o diretor Ron Howard, responsável por Era uma vez um Sonho? Apesar de ter 2 Oscars no currículo, ele é responsável por longas, como Uma Mente Brilhante, que simplesmente tem um objetivo e cumpre; A Luta pela Esperança, onde não justifica-se nem a bajulação em cima das atuações de Russell Crowe e Paul Giamatti; Frost/Nixon, onde é inacreditável o seu desejo de montar um documentário ficcional; além das versões cinematográficas dos best sellers de Dan Brown, terrivelmente inversamente proporcional ao sucesso dos livros, como O Código da Vinci e Anjos e Demônios. Não só cultuamos em exagero, como às vezes nos deixamos enganar por novos projetos, que talvez possuam uma premissa boa, mas o resultado negativamente inesperado, nos brota uma decepção, que racionalmente não teríamos, caso nos lembrássemos de seus projetos anteriores. É fato que aqui e acolá, alguns profissionais da indústria acabam nos surpreendendo e mostrando talentos jamais visto, mas é uma pena que Era uma vez um Sonho não seja a exceção à regra.
Com um prólogo que tem uma fotografia e um design de produção que em muito lembra cartilha de Testemunha de Jeová, logo se faz o questionamento sobre qual é, de fato, o interesse da trama, ao achar que felicidade pode não parecer artificial em meio a um desespero para deixar uma vida miserável. Teria Ron Howard recebido conselhos do cineasta Roland Emmerich, que acha perfeitamente natural as pessoas se apaixonarem e discutirem relação, enquanto o mundo está acabando?! Não se deve esquecer que filmes ruins não são exclusivamente feitos por histórias ruins. Chamar Era uma vez um Sonho de chato é exagero, mas ele é recheado de conflitos familiares limitados e incapazes de fazer todos a sua volta terem bagagem o suficiente para darem o devido e merecido julgamento, porque as cenas não possuem a mínima capacidade de se tornarem impactantes e de trazerem surpresas.
Com fatos simplesmente pontuados, desprovidos de conteúdo, fatores como o perdão, o amparo e as lições da vida ganham contextos, no mínimo, manjados, crus e pobres, por meio do roteiro escrito por Vanessa Taylor, que em outrora assinou a trama da obra-prima A Forma da Água e de episódios da série Game of Thrones. Claramente perdido, Ron Howard intervém na história com flashbacks desnecessários e pessimamente usados, ao passo que o espectador até se surpreende ao lembrar que existe um vai e vem temporal, ao passo que o filme não abre brechas para justificar a alternância entre décadas. Como se não bastasse, Howard parece que não soube sequer manejar uma câmera, com trágicos focos nos personagens, que só me lembrava as obras de Tom Hooper - cineasta que precisou lançar Cats em 2019, para Hollywood finalmente cair na real sobre ele, sendo que já merecia certas críticas há um bom tempo.
A esperança de vermos um show de atuações de Amy Adams e Glenn Close esbarrou na falta de conhecimento da produção sobre as duas preciosidades com quem eles estavam lidando. Lembro da sensação que eu tive em 2009, com Nine, quando o outro superestimado cineasta Rob Marshall jogou no lixo a oportunidade de engrandecer um filme que tinha no elenco Daniel Day-Lewis, Nicole Kidman, Marion Cotillard, Penelope Cruz, Kate Hudson, Judi Dench e Sophia Loren. A mesma coisa foi feita em Era uma vez um Sonho, que não deu abertura para essas atrizes, que dispensam comentários, absorverem suas personagens e entregarem belas atuações na medida correta. A maneira como a Bev foi concebida, fez com que Amy Adams se mostrasse exagerada durante todo o longa. Para piorar, o filme simplesmente esnoba Glenn Close e faz a sua Mawmaw ser irrelevante e descartável.
Para um período em que o Brasil acaba de realizar mais um pleito eleitoral e muito se fala que o PT precisa realizar uma autocrítica, eu diria que os cinéfilos precisam urgentemente seguir esse mesmo rumo e escancarar deméritos artísticos em membros da indústria, sejam eles quem for. Era uma vez um Sonho está longe de ser a redenção profissional que as mais sensatas mentes esperam de Ron Howard.




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