MANK
DIREÇÃO: David Fincher
ELENCO: Gary Oldman, Amanda Seyfried e Lily Collins
Herman J. Mankiewicz foi um roteirista de vida efêmora e conturbada, que esteve por trás da obra-prima Cidadão Kane. Entre casos e acasos da Hollywood do início do século XX, uma de suas maiores ambições foi sempre lutar contra Orson Welles pelos principais créditos do filme.
Didaticamente falando, Cidadão Kane é um filme de 1941, dirigido, produzido, estrelado e roteirizado por Orson Welles, sendo que esta última função ele dividiu com Herman J. Mankiewicz. A obra, apontada por muitos como a melhor da história, apresentou, para o período, impactos inovadores, principalmente nos quesitos fotografia, trilha sonora e estrutura narrativa. Curiosamente, o filme não se saiu bem no Oscar, ficando somente com a estatueta de Melhor Roteiro, perdendo os grandes prêmios para Como Era Verde o meu Vale. Welles, inclusive, estava no Rio de Janeiro no dia da cerimônia, e, consequentemente, não pôde comparecer.
Falando em Orson Welles, ele recebe uma singela ode no prólogo de Mank, grande aposta da Netflix neste fim de 2020. Dirigido pelo cineasta David Fincher, responsável por grandes filmes como Clube da Luta, O Curioso Caso de Benjamin Button, A Rede Social e Garota Exemplar, o longa se refere ao lendário "astro completo da sétima arte" como um sujeito provido de uma pequena cidade do estado de Wisconsin, que foi atraído por Hollywood, devido às promessas de profunda autonomia na concepção de suas obras, por conta do seu alto poder de criatividade.
Acontece que Mank não é sobre Welles, e sim sobre o seu suposto desafeto Herman J. Mankiewicz. Com uma linda trilha sonora, composta pelos vencedores do Oscar Trent Reznor e Atticus Ross, que nos traz um emaranhado do próprio Cidadão Kane com O Poderoso Chefão, o filme nos questiona: O que seria o roteirista? Disposto a fazer justiça para/com o profissional, o longa o defende como o responsável pelo pontapé inicial e a mais importante mente por trás de uma película, mesmo quando há pessoas com poder de veto em cima de ideias originais. Bráulio Mantovani, que escreveu Cidade de Deus e Tropa da Elite, certa vez disse: “O roteiro é o filme no papel. É a descrição das imagens,
das ações e das falas dos personagens em um texto. Uma espécie de ensaio do que
vai ser o filme. O roteiro cinematográfico não tem a mesma autonomia literária
que, por exemplo, uma obra teatral. Ele pode ir para o lixo quando acaba as
filmagens; não serve para nada, a não ser para ser estudado por pessoas que querem
aprender a fazer roteiro, Outro papel importante do roteiro é seduzir
potenciais financiadores. Cinema é uma coisa muito cara, então, se o filme não
estiver muito bem escrito, de maneira que seja gostoso de ler, prazeroso, e que
envolva o leitor tanto quanto um romance é capaz de envolver, será mais difícil
realiza-lo. No Brasil, hoje em dia, você só capta recursos para fazer um filme
a partir de um roteiro. Isso está cada vez mais evidente.”
Curiosamente, Mank tem como roteirista Jack Fincher, pai do diretor, e que faleceu em 2003. Logo, fica claro que, além de uma ode de cunho pessoal, David Fincher enaltece o papel do escritor, não considerando um roteiro escrito há décadas, como algo digno de ser engavetado. Neste filme aqui avaliado, mesmo com um certo foco em poucos clichês, como o apontar que muita gente escreve enquanto consome álcool e tabaco, fica claro que há uma defesa de que sempre haverá algo mais em quem exerce função, mesmo que ele sempre fique em segundo plano, comparado ao diretor e ao elenco de uma obra. Talvez o Oscar da década de 1940, mesmo não elegendo Cidadão Kane como o Melhor Filme e Melhor Direção, foi certeiro em conceder-lhe uma única estatueta, que é simplesmente motivo de discussão até estes tempos contemporâneos.
David Fincher soube muito bem pontuar Mank, seja nas inclusões de tramas ou de personagens históricos. Aliado a celebrados filmes recentes, como La La Land - Cantando Estações e Era uma Vez em Hollywood, curiosamente, ele, ao se situar na antiguidade da cidade das estrelas, conseguiu inclusive fazer uma defesa de quem soube, sem hesitar, acreditar no futuro da indústria, mesmo em tempos de depressão. Assim, o foco a Herman J. Mankiewicz, alternando entre o talento e a vida social conturbada, nos mostra que há sim quem podemos admirar na era clássica do cinema, apesar dos períodos de Macarthismo, caça aos comunistas, e interesses e temperamentos impuros... Vale ressaltar que Mank denuncia inclusive fatos estranhos na conduta de Irving Thalberg - cineasta que morreu prematuramente, causando choque na indústria e que tem seu nome endeusado até hoje. Tal situação me fez lembrar Meryl Streep, que, sem pestanejar, diz que considera Walt Disney (talvez o maior nome da história do cinema) como um sujeito racista, misógino e antissemita. Em meio a tantos julgamentos até surpreendentes, o que pode nos aliviar um pouco são as palavras do roteirista Dalton Trumbo, que sempre pregou que em escândalos de outrora, não haviam culpados, nem inocentes. Todos eram vítimas!
Com um bom elenco, Mank dá destaque a uma interessante química entre Gary Oldman e Amanda Seyfried. No tom certo, ele está explosivo, enquanto ela está sutil. A atuação da jovem atriz, mesmo que não seja extraordinária, pode sim ser considerado o seu melhor momento no cinema, e olha que ela já fez filmes populares, como Meninas Malvadas e Mamma Mia.
Com segurança e precisão, o diretor David Fincher nos apresenta um Mank da maneira como devia ter sido feito. Requintado com seus sons, cores e espaços, o filme nos faz sentir leves em meio a diálogos que nos situam com precisão na década de 1940, sem nenhum exagero. O longa é o revival que todos queriam de Cidadão Kane, sem que a sua proposta seja a de um remake propriamente dito. Verdades devem ser ditas, assim como também devem haver defesas daquilo que sempre julgamos mal. Isto é Hollywood. Esta é a magia do cinema. Rosebud é o trenó!




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